A luta pela Democracia

Direito e Legislação

Tensões não têm faltado nos últimos tempos no Brasil: o Presidente da República colocando em xeque o processo eleitoral e as urnas eletrônicas; cartas em defesa da democracia e das instituições; falas enfáticas de altas autoridades judiciais em tom muito acima do que seria razoável em outras quadras.

A democracia brasileira está em crise? Ou as tensões são próprias da democracia, em que o dissenso, o embate, às vezes muito forte, é da regra do jogo?

Há várias respostas. Primeiro, parece evidente que, em certos segmentos da sociedade, a “vontade de democracia” – para pegar emprestada a famosa expressão de Konrad Hesse “vontade de constituição” – se afastou, se é que já existiu. Saudosistas da ditadura militar não procuram disfarçar a impaciência com a sociedade aberta e livre. Que é, obviamente, imperfeita e repleta de disfunções, algumas muito graves, mas bem melhor que a autocracia. Se esses segmentos não são majoritários, certamente não são insignificantes. Não esqueçamos que a história brasileira do século XX é fortemente marcada pelas ditaduras.

Em segundo lugar, democracia vibrante não costuma ser caracterizada pela harmonia permanente, pela ausência de conflitos. Discordâncias, tensões, embates, protestos, manifestações duras, são inerentes. De outro modo, seria a “paz dos cemitérios” de que mencionara Kant. Ou, outra vez, a paz das ditaduras, em que “Falou tá falado. Não tem discussão”, como na bela canção de Chico Buarque. Vários autores têm apontado que a democracia está em perigo, mesmo em sociedades avançadas. Barack Obama declarou o risco para a sociedade americana, democracia madura e sem histórico de golpes e ditaduras. Se há perigos reais lá, obviamente muito mais em democracias mais recentes e com instituições muito menos sólidas.

Portanto, vigilância, mobilização permanente, luta renhida para não deixar escapar a sociedade aberta, democrática, joia preciosíssima que a humanidade criou, é dever de todos os que acreditam nela. Dá muito trabalho, o preço é alto, mas não há outro caminho.

” O Povo”, 20/08/2022.

Edilberto Carlos Pontes Lima

Pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e Doutor em Economia (UnB).