A Pendência de Nomeação de Candidatos Aprovados em Concurso Público e a Contratação Temporária Durante a Situação da Pandemia do Coronavírus

Orçamento e Finanças

Kézia Sayonara Franco Rodrigues Medeiros
Advogada. Especialista em Direito Público. Assessora do Tribunal de Contas do Estado de Alagoas. Membra do Comitê de Súmula, Jurisprudência e Processo do Instituto Rui Barbosa. Membra da Comissão de Direito Administrativo do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Ex-Chefe de Gabinete do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas (2009-2015). Ex-Orientadora nos processos administrativos disciplinares da Corregedoria-Geral da Justiça de Alagoas (2013-2014). Ex-Assessora Jurídica do Alagoas Previdência (2015-2017).

Resumo: Implicações jurídicas que envolvem contratações temporárias, durante o período da pandemia do coronavírus, em substituição à nomeação de candidatos aprovados em concurso público dentro e fora do número de vagas e no prazo de validade do certame.

 

Palavras-chave: Concurso público. Pendência de nomeação de candidatos aprovados. Contratação Temporária. Estado de Pandemia. Circunstância que reforça a necessidade de chamamento dos concursados. Vinculação orçamentária. Interesse público.

 

Há muito se discute, no ordenamento jurídico brasileiro, sobre os aspectos que envolvem o direito subjetivo à nomeação de candidatos aprovados em concurso público dentro e fora do número de vagas, no prazo de validade do certame, bem como acerca de contratações temporárias em substituição a estes, outrossim, debatem-se os deveres e fatores peculiares que legitimariam a mitigação de regras constitucionais, por parte de administradores públicos em meio a  esse tipo de contexto.

A superveniência da  decretação do estado de pandemia, ocorrida no dia 11 de março de 2020, pela Organização Mundial de Saúde e todos os novéis e abrutos reflexos sociojurídicos dessa decorrente estabeleceu um sistema jurídico provisório, mediante a quebra de paradigmas substanciais do Direito brasileiro, sobre os quais se requer especial atenção dos seus operadores,  que, não raras vezes, deverão proceder às devidas ponderações axiológicas  e principiológicas, a depender da casuística.

Pois bem. Como é sabido, em observância ao teor do artigo 37, IX[1], da Constituição Federal,  foi editada a lei nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993, a qual dispõe sobre contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público; ao passo que em 28 de fevereiro de 2020, sobreveio a Medida Provisória nº 922/2020, a qual realizou alterações significativas no teor daquela lei e outras disciplinadoras de temas a si correlatos. Ademais, ressalte-se a lei federal nº 13.979/2020, de caráter temporário que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional.

Nessa inaugural conjuntura, é inegável a necessidade de medidas jurídicas visando à implementação de demandas excepcionais, por exemplo, as decorrentes de programas e projetos de aperfeiçoamento de médicos na área de atenção básica em saúde em regiões prioritárias para o Sistema Único de Saúde, bem como de assistência a situações de emergência humanitária que ocasionem aumento súbito do ingresso de estrangeiros no País, conforme elucidado na referida Medida Provisória, para além das preexistentes hipóteses constantes na mencionada  lei nº 8.745/2020.

Eis que, como seria previsível, não se afigura simplória a tarefa de conciliar a nova e inusitada realidade jurídica com a anteriormente instalada, esta repleta, pois de suas corriqueiras mazelas, como é o caso de contratações temporárias, em detrimento da primazia constitucional do concurso público,  práticas reiteradas, cuja nefasta consolidação ultrapassa gerações e somente se resta resolvida com a intervenção do Poder Judiciário.

Sem sobra de dúvidas ou aprofundamentos em estudos filosóficos, os mais comezinhos pensamentos maniqueístas conduziriam à ideia de que os maus gestores se aproveitariam da aparente fragilidade institucional, bem como dos recentes permissivos legais para cometer ilicitudes das mais variadas espécies  e isto  já é algo notório, lamentavelmente, nesta nação.

Tal panorama trouxe à tona duas vertentes a serem seguidas pelo administrador público, a saber: a) a nomeação imediata dos aprovados em concurso dentro do número de vagas, ante o imperativo do artigo 37, II, da Constituição Federal e/ou b) a contratação temporária de servidores, em meio à praticidade que a envolve. Decerto, a alternativa a ser escolhida tende a ser a  que melhor atenda o interesse público.

À luz dos preceitos do ordenamento jurídico pátrio, o concurso público é a maneira primária de ingresso do cidadão na Administração, conforme lição do aludido dispositivo constitucional, de tal forma, o provimento de cargo público privilegia três princípios fundamentais, segundo Carvalho Filho (2017, pág. 563):

O primeiro é o princípio da igualdade, pelo qual se permite que todos os interessados em ingressar no serviço público disputem a vaga em condições idênticas para todos. Depois, o princípio da moralidade administrativa, indicativo de que o concurso veda favorecimentos e perseguições pessoais, bem como situações de nepotismo, em ordem a demonstrar que o real escopo da Administração é o de selecionar os melhores candidatos. Por fim, o princípio da competição, que significa que os candidatos participam de um certame, procurando alçar-se a classificação que os coloque em condições de ingressar no serviço público.

Efetivamente, o concurso público representa o exemplo por excelência de prestígio à meritocracia, uma vez que apenas aqueles candidatos que se apresentarem mais preparados terão direito de ingressar na administração pública, na linha do ensinamento do professor Brandão de Oliveira (2016. Pág. 136)

O concurso é um procedimento administrativo, caracterizado pela prática de uma série de atos ordenados na forma prevista em lei e no edital, através do qual se proporciona à Administração Pública a oportunidade de escolha dos melhores candidatos para cargos de provimento efetivo e empregos públicos. Trata-se de instrumento que viabiliza igualdade de tratamento para os postulantes, não sendo admitidas regras que limitem o caráter competitivo do concurso. (sem realces no original).

Na prática, o instituto do concurso público cumpre um objetivo valiosíssimo na sociedade atual, cuja história política restou marcada por elementos de expressivos privilégios e desigualdades, até que se alcançasse a tão sonhada limitação do poder  e a  supremacia da lei, como herança das revoluções liberais, a partir do século XVIII. Outrossim, constitui-se de uma seleção transparente e isonômica para ocupação de  cargos públicos, bem como corresponde a um fator de otimização do princípio da eficiência, máxime no tocante à garantia de um serviço público de qualidade, haja vista a admissão de candidatos proceder-se com base na melhor qualificação.

A propósito, o Supremo Tribunal Federal, na função de guardião da Constituição Federal,   ressoa a intransigência do princípio do concurso público como requisito para o provimento de cargos públicos (art. 37, II, da CF), nos seguintes termos: “A exceção prevista no inciso IX do artigo 37 da CF, deve ser interpretada restritivamente, cabendo ao legislador infraconstitucional a observância dos requisitos da reserva legal, da atualidade do excepcional interesse público justificador da contratação temporária e da temporariedade e precariedade dos vínculos contratuais.(ADI – 12760).

Sucede que, ao longo das duas últimas décadas, em cumprimento ao papel conferido pelas novas perspectivas do constitucionalismo, o Poder Judiciário passou a estabelecer  parâmetros para configurar o dever de nomeação e o consequente direito desses candidatos, quais sejam: (1) quando a aprovação ocorrer dentro do número de vagas dentro do edital; (2) Quando houver preterição na nomeação por não observância da ordem de classificação; (3) Quando surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso durante a validade do certame anterior, e ocorrer a preterição de candidatos de forma arbitrária e imotivada por parte da administração.

Nesse particular, convém atentar para a perscrutação das circunstâncias afetas à aplicação do imperativo constitucional da prioridade de investidura por concurso público, sem perder de vista os efeitos diretos e indiretos da decretação da pandemia.

Como é largamente discutido no âmbito jurisprudencial, a recusa de nomeação de candidato aprovado dentro do número de vagas requer motivação e deve ocorrer mediante determinados requisitos, consoante elucidado pelo Supremo Tribunal Federal, no Tema 161[2], tais como:  superveniência, imprevisibilidade, gravidade e necessidade.

Já na hipótese de existência de candidatos aprovados fora do número de vagas ou em cadastro de reserva,  a jurisprudência entende que a caracterização do direito subjetivo à nomeação, no período de validade do certame, condiciona-se à demonstração da existência de cargos de provimento efetivo desocupados ou até da irregularidade da contratação temporária, visando a demonstrar a necessidade permanente do preenchimento da vaga.

As premissas estabelecidas pelo Judiciário quanto à matéria em foco permeiam tanto a contratação temporária quanto à abertura de novo concurso  para o mesmo cargo, durante o prazo de validade do certame anterior. Nesse sentido, foram elaboradas as seguintes teses pelo Supremo Tribunal Federal:

Dentro do prazo de validade do concurso, a Administração poderá escolher o momento no qual se realizará a nomeação, mas não poderá dispor sobre a própria nomeação, a qual, de acordo com o edital, passa a constituir um direito do concursando aprovado e, dessa forma, um dever imposto ao poder público. Uma vez publicado o edital do concurso com número específico de vagas, o ato da Administração que declara os candidatos aprovados no certame cria um dever de nomeação para a própria Administração e, portanto, um direito à nomeação titularizado pelo candidato aprovado dentro desse número de vagas.
(RE 598.099). (sem realces no original).

O surgimento de novas vagas ou a abertura de novo concurso para o mesmo cargo, durante o prazo de validade do certame anterior, não gera automaticamente o direito à nomeação dos candidatos aprovados fora das vagas previstas no edital, ressalvadas as hipóteses de preterição arbitrária e imotivada por parte da administração, caracterizada por comportamento tácito ou expresso do Poder Público capaz de revelar a inequívoca necessidade de nomeação do aprovado durante o período de validade do certame, a ser demonstrada de forma cabal pelo candidato. (RE 837311/PI). (sem realces no original).

Nos termos do art. 37, IX, da Constituição Federal, para que se considere válida a contratação temporária de servidores públicos, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a contratação seja indispensável, sendo vedada para os serviços ordinários permanentes do Estado que estejam sob o espectro das contingências normais da Administração. (RE 658026). (sem realces no original).

O surgimento de novas vagas ou a abertura de novo concurso para o mesmo cargo, durante o prazo de validade do certame anterior, não gera automaticamente o direito à nomeação dos candidatos aprovados fora das vagas previstas no edital, ressalvadas as hipóteses de preterição arbitrária e imotivada por parte da administração, caracterizada por comportamento tácito ou expresso do Poder Público capaz de revelar a inequívoca necessidade de nomeação do aprovado durante o período de validade do certame, a ser demonstrada de forma cabal pelo candidato. Assim, o direito subjetivo à nomeação do candidato aprovado em concurso público exsurge nas seguintes hipóteses:
I – Quando a aprovação  ocorrer dentro do número de vagas dentro do edital;
II – Quando houver preterição na nomeação por não observância da ordem de classificação;
III – Quando surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso durante a validade do certame anterior, e ocorrer a preterição de candidatos de forma arbitrária e imotivada por parte da administração nos termos acima.
[Tese definida no RE 837.311, rel. min. Luiz Fux, P, j. 9-12-2015, DJE 72 de 18-4-2016, Tema 784.].

Analisando-se a aludida construção de entendimento da Corte Superior sob a ótica do estado excepcional ora refletido na jurisdição brasileira, poder-se-ia  intuir que se inaugura mais um pressuposto de configuração do direito à nomeação dos aprovados dentro e fora do número de vagas ou em cadastro de reserva, durante a validade do concurso – salientando-se, pois, as situações judicializadas, as quais ensejam a postergação dos efeitos e do prazo deste – , consubstanciado, pois, em fatores ocasionados pela pandemia, como: emergência em saúde pública ou humanitária, crime ambiental ou situações de iminente risco à sociedade. É como se se concebesse que o simples fato de o candidato aprovado estar na expectativa de sua nomeação, durante  o especial período, somado à superveniência de contratação temporária em seu lugar, já configurassem, por si, a necessidade de chamamento deste e, consequentemente, um pressuposto inescusável do seu direito à imediata nomeação.

De outro norte, consoante anteriormente pontuado, a Medida Provisória nº 922/2020  possibilita aos gestores promover “contratações diretas e simplificadas que atendam às necessidades de combate e enfrentamento ao coronavírus”.

Ora, não há que se falar em realidades estanques e contrapostas. Explica-se. Afigura-se inconcebível interpretar que o mencionado permissivo normativo pudesse tornar a administração pública eximida, sem qualquer exame circunstancial, de cumprir um comando de viés eminentemente constitucional, que é a investidura em cargo público por nomeação. Deve-se partir da regra para então se pensar em adequações de exceção.

Nessa perspectiva, insta reverberar que a contratação por tempo determinado pressupõe a inviabilidade para realização de concurso público e visa ao atendimento de necessidades temporárias decorrentes de excepcionais interesses públicos, devidamente motivados, ao passo que se lograria expressivamente rechaçada e passível das devidas apurações e punições em todas as esferas investigativas, fiscalizatórias e jurisdicionais a sua utilização a esmo e sem propósito para o qual fora prevista em lei, sobretudo, nas condições sociais de calamidade pública.

Em suma, os aspectos decorrentes da pandemia precisam ser considerados tanto pelo gestor como pelo operador do Direito em geral, como forma de releitura da realidade, sobretudo nas questões atinentes à investidura em cargos públicos.

Inobstante isso, tribunais do país tem deixado de atentar para tão relevante paradigma social, a exemplo do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que, sem fazer menção às peculiaridades inerentes ao presente momento ou qualquer sopesamento necessário, proferiu acórdão em 22 de maio de 2020, portanto já durante a pandemia,  admitindo a contração temporária de terceiro em detrimento da nomeação de candidatos que estariam na fila de espera. Leia-se:

APELAÇÃO CÍVEL – CONCURSO PÚBLICO – DIREITO À NOMEAÇÃO – APROVAÇÃO FORA DO NÚMERO DE VAGAS – ALEGAÇÃO DE REALIZAÇÃO DE CONTRATAÇÕES TEMPORÁRIAS – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO.
1- A mera expectativa de direito do candidato aprovado fora do número de vagas ou em cadastro de reserva transmuda seu status jurídico quando, ainda válido o concurso, ocorre a vacância de vagas ou a contratação de pessoal de forma precária para o preenchimento de vagas existentes, com a preterição daqueles que, aprovados, poderiam ocupá-las.
2- Entretanto, durante a validade do certame, para que esteja caracterizado o direito subjetivo à nomeação do candidato aprovado fora do número de vagas ou em cadastro de reserva, necessária é a demonstração da existência de cargos de provimento efetivo desocupados ou mesmo da irregularidade da contratação temporária a externar uma realidade de necessidade permanente do preenchimento da vaga.

3- A simples contratação temporária de terceiro não assegura o direito subjetivo público de nomeação de candidato aprovado em concurso público fora do número de vagas previsto no edital, porquanto não configura, por si só, a existência de vaga a ser ocupada, tampouco irregularidade a externar uma realidade de necessidade permanente do seu preenchimento.  (TJMG –  Apelação Cível  1.0000.20.002280-4/001, Relator(a): Des.(a) Jair Varão , 3ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 21/05/0020, publicação da súmula em 22/05/2020). (sem realces no original).

Ocorre que, seguindo a tônica do artigo 20[3], da lei 13.655/2018 (Lei de Segurança para Inovação Pública), a qual alterou significativamente a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, compete ao aplicador do Direito julgar observando fatores concretos, atribuindo as suas decisões densidade axiológica e como tal, no contexto em voga, a eventual decretação de calamidade pública há de ser levada em conta, indiscutivelmente.

O Tribunal de Justiça de Alagoas, no dia 11 de junho de 2020, portanto já durante período de pandemia, inobstante não tenha se pronunciado acerca desta condição ou qualquer consectário, acertadamente ponderou os aspectos de grande relevância para a preservação do concurso público. É ver:

APELAÇÃO CÍVEL. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DO CARGO DE FONOAUDIÓLOGA DA UNCISAL. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DE ALAGOAS. PRECEDENTES. CANDIDATA APROVADA FORA DAS VAGAS PREVISTAS NO EDITAL. COMPROVAÇÃO DE CARGOS VAGOS QUE ALCANÇASSEM A SUA CLASSIFICAÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

[…] Da mencionada narrativa fática, é possível identificar que o presente caso concreto possui grande semelhança com os rotineiros julgados dos Tribunais Superiores no sentido de que “há possibilidade de convolação da expectativa de direito em liquidez e certeza se o candidato comprovar a ocorrência de preterição2″, em razão de contratação temporária, requisição de servidores ou mesmo cargo em comissão para exercer as mesmas funções do cargo efetivo. (Apelação cível n. 0717405-47.2018.8.02.0001  – 3ª Câmara Cível Relator: Des. Domingos de Araújo Lima Neto). (sem realces no original).

É fato que sobre esse tema algumas máximas se consolidaram na jurisprudência pátria,a  exemplo de “há possibilidade de convolação da expectativa de direito em liquidez e certeza se o candidato comprovar a ocorrência de preterição[4], em razão de contratação temporária, requisição de servidores ou mesmo cargo em comissão para exercer as mesmas funções do cargo efetivo.

Também “a contratação temporária de pessoal, no período de validade do concurso público, configura preterição do candidato aprovado e intolerável burla ao princípio do concurso público[5].

Na prática, não basta ao gestor preencher os requisitos para a contratação temporária, mas, cumpre demonstrar, à luz dos princípios constitucionais aplicáveis ao seu mister, as razões pelas quais refuta a regra  da nomeação de candidatos aprovados em concurso público.

E a justificativa mais utilizada no tempo de pandemia tem sido a praticidade e a economia geradas pela vinculação precária, sem se levar em conta o dever de eficiência dos gastos públicos, visando a melhores resultados, mediante limitação de recursos e sua adequada utilização, nos termos do artigo 70[6], da Constituição Federal.

Em meio a esse contexto e diante do indispensável sopesamento de valores jurídicos envolvidos, o princípio da economicidade, que segundo a doutrina “implica na eficiência na gestão financeira e na execução orçamentária, consubstanciadas na minimização de custos e gastos públicos e na minimização da receita e da arrecadação. É a justa adequação e equilíbrio entre as duas vertentes das finanças públicas[7]”.

Especificamente sobre a preterição de candidatos nomeados em relação a contratações temporárias, ainda que em tempos de pandemia, tal realidade há de passar, inicialmente, pelo crivo dos imperativos do Direito Financeiro, máxime o que trata da vinculação orçamentária das rubricas já assinaladas sistematicamente.

Em outras palavras, redirecionar valores previamente inscritos no orçamento público para fins de pagamentos relacionados a determinado  certame, esbarraria no princípio da proibição de estorno, nos termos do artigo 167, VI e VIII[8], da Constituição Federal, cuja “manobra consiste em retirar os recursos de uma programação, segundo Ives Gandra”[9].

Em suma, realce-se que, se de um lado há possibilidade de validação da contratação temporária, em meio ao preenchimento de requisitos estabelecidos pela jurisprudência da Corte Suprema, por outro, há de se considerar o direito à nomeação dos servidores aprovados num concurso público e, neste particular, atentar para os fatores que atendem, na íntegra, o interesse público, consubstanciados, pois, nos indicativos dos princípios da eficiência e da proibição de estorno das verbas inscritas,  máxime durante o especial período de calamidade pública.

 

Abstract: Legal implications involving temporary hiring, during the period of the coronavirus pandemic, replacing the nomination of candidates approved in a public contest within and outside the number of vacancies and the term of validity of the contest.

Keywords: Public tender. Pending appointment of successful candidates. Temporary Hiring. Pandemic State. Circumstance that reinforces the need to call the public. Budget binding. Public interest.

 

[1]Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[…]

II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

[…]. (sem realces no original).

[2]RE 598.099, rel. min.Gilmar Mendes, P, j. 10-8-2011, DJE de 189 de 3-10-2011, Tema 161.

[3]Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão

[4]STJ. RMS 47.852/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/11/2015, DJe 24/11/2015.

[5]STF. ARE 816455 AgR, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 05/08/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-158 DIVULG 15-08-2014 PUBLIC 18-08-2014

[6] Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

[7]LEITE, Harrison. Manual de Direito Financeiro. Salvador: Juspodivm, 2018.

[8]Art. 167. São vedados:

VI – a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa;

[…]

VIII – a utilização, sem autorização legislativa específica, de recursos dos orçamentos fiscal e da seguridade social para suprir necessidade ou cobrir déficit de empresas, fundações e fundos, inclusive dos mencionados no art. 165, § 5º;

[9]MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil, 6º volume, Tomo II.  Celso Bastos e Ives  Gandra Martins. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2001. p. 384

Kézia Rodrigues