Previstas para início de votação no Senado Federal na próxima semana, as propostas que fazem parte do “Novo marco fiscal” apresentadas pelo governo federal colocarão os serviços públicos do país à prova, se aprovadas com a redação original.
Inseridas como parte do acordo político para mais uma rodada do auxílio emergencial para os mais vulneráveis, tanto a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) emergencial como a do pacto federativo foram pautadas com a narrativa da busca do equilíbrio fiscal.
Ocorre que a PEC emergencial é marcada pela fragilidade dos argumentos e ausência de relação de causa e efeito entre o texto apresentado como solução e o que se pode alcançar com a aprovação dele, segundo a lógica posta pelos próprios propositores.
É que a justificativa da PEC 186/2019 reconhece que a despesa de pessoal é a maior despesa primária dos entes da federação, à exceção da União, cuja maior despesa é de benefícios previdenciários, mas também reconhece que aumentos da despesa de pessoal devem refletir o aperfeiçoamento da prestação de serviço público, admitindo que este está intimamente atrelado à atração de profissionais qualificados por meio de condições de trabalho e de remunerações condizentes com as responsabilidades assumidas.
Assim, os próprios idealizadores têm a clareza de que a qualidade dos serviços públicos depende do nível de qualificação do servidor público que prestará referidos serviços, do que resulta possível afirmar que o padrão remuneratório, para além de refletir na boa ou má qualidade da prestação, deve ser calculado a partir do grau de complexidade da atividade desempenhada e da responsabilidade inerente à atividade estatal, conforme estabelece a própria Constituição Federal.
Não por outra razão, a má prestação do serviço pode vir a ensejar ao agente público o dever de reparar eventual dano que causar à administração pública, em caso de dolo, negligência, imprudência ou imperícia em sua conduta, seja comissiva ou omissiva, o que também justifica a correlação lógica entre a remuneração percebida e a responsabilidade assumida, numa correspondência, mutatis mutandis, “rentabilidade vs. risco”.
Tão frágil quanto à exposição de motivos é o argumento de que o comportamento cíclico da receita corrente líquida, que é base de cálculo para o limite de gastos com pessoal, é apto a justificar a adoção de medidas temporárias que impactam diretamente na redução dos serviços públicos prestados à sociedade, o que ocorrerá, por exemplo, com a redução de até um quarto da jornada dos prestadores desses serviços e correspondente redução remuneratória.
Ora! Se a situação exige ajuste de contas, o caminho lógico e intuitivo para enfrentar os problemas indicados na exposição de motivos da PEC 186 (Emergencial) é começar cortando despesas irregulares, que sequer deveriam existir, decorrentes de cargos inconstitucionais ou criadas ao arrepio da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal).
Também é lógico e intuitivo que de pronto sejam cortados os excessos, eliminando o supérfluo, e para tanto são mais eficazes as saídas já estabelecidas no §3º do art. 169 da Constituição, pois trazem, em ordem de prioridade, logo no inciso I, o corte do que não é essencial, do que não influencia na boa qualidade da prestação dos serviços públicos.
Se a despesa com pessoal constitui maior despesa primária dos entes subnacionais, conforme consta na justificativa da proposta, que seja intensificada a atuação dos órgãos de controle no sentido de priorizar a auditoria de pessoal, combatendo as situações irregulares e lesivas, a partir de um olhar crítico voltado a aferir se os cargos públicos existentes foram criados por meio de leis e se elas definem as atribuições, sem prejuízo de identificar se há razão para existirem, apontando se o aumento da despesa cumpriu os preceitos da LRF, concretizando, assim, o controle de legitimidade almejado pelo legislador constituinte.
* Ismar Viana é mestre em Direito. Auditor de Controle Externo. Advogado. Professor. Presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC) e membro do Instituto de Direito Administrativo Sancionador Brasileiro (IDASAN). Especialista em Direito Administrativo, em Combate à Corrupção e em Direito Educacional. Autor do livro “Fundamentos do Processo de Controle Externo”. Controle Externo.