“Que no calle el cantor, porque el silencio cobarde apaña la maldad que oprime. Y no saben los cantores de agachadas, no callaràn jamàs de frente al crimen.”
(Si se calla el cantor, de Violeta Parra)
Mesmo sem saber, gosto de escrever. O que para mim, no passado, era tormento pavoroso, hoje é passatempo prazeroso. Ora eu escrevo para informar, ora para desabafar. Ora para entreter, ora para esquecer. Ora para desnudar, ora para encantar. Às vezes, escrevo mesmo sem saber o porquê. Agora, escrevo somente para agradecer.
Ensinam-nos as lições da vida que somos, sempre, o espelho daqueles que nos são próximos. Gonzaguinha já nos disse, em seus Caminhos do Coração, que “Toda pessoa sempre é as marcas das lições diárias de outras tantas pessoas”.
Assim, é verdade quando se afirma que, se andarmos com os sábios, seremos capazes de nos ajoelhar aos seus pés, mas, se andarmos com os porcos (pedindo perdão aos tão injustiçados animais), seremos piores do que eles.
Dessa forma, é sempre bom andarmos com quem sabe, com quem podemos aprender e, humildemente, chamar de amigo sincero. É bom andar com quem está com a verdade, sem vaidades, pois, como disse o escritor de fábulas francês Jean Pierre Claris de Florian (06/03/1755-13/09/1794), “A vaidade torna-nos tão crédulos como tolos.”
Nos meus 33 anos de controle público, muito aprendi, e muito tenho aprendido, com os amigos sinceros, não somente em relação à auditoria aplicada ao setor público e ao bom e verdadeiro direito, mas, e o que é mais importante, sobre como encarar as agruras da vida e como combater os adversários imodestos.
Sendo assim, não posso deixar de agradecer a um amigo sincero por ter-me presenteado com o conto La fable et la vérité (A fábula e a verdade) de Jean Pierre Claris de Florian.
Nesse belo e pequeno texto de Florian, a Verdade, sempre nua, perdeu o encanto e foi rejeitada. Um certo dia, encontra-se com a Fábula, ostensivamente vestida com diamantes falsos. Ao se queixar por ser velha e a todos afugentar, a Fábula, que por todos era recebida, disse-lhe que ela, a Verdade, era sua irmã mais nova, e a convidou para caminharem juntas, cobrindo-a com o seu manto. Em dado instante, a Fábula diz: “Em casa de sábio, por culpa sua, não serei mais rejeitada; por minha causa junto, dos loucos já não sereis maltratada […]. Graças à vossa razão e graças à minha folia, vereis minha irmã, como a todos serviremos de companhia.”
Adorei, simplesmente adorei, o encontro entre a Verdade e a Fábula relatado pelo escritor Florian. Mas, no âmbito das minhas ambições mortais de pobre escritor, em busca, não do seu tempo perdido, mas, sim, de si mesmo, ouso propor um novo encontro, um novo diálogo, uma nova releitura desse magistral texto.
Vamos, então, a ele, meu caro leitor.
A fábula e a verdade
Em uma lúgubre noite de abril, chovia como há muito não se via naquele triste e pobre povoado. Nas escuras e estreitas ruas desertas, a Verdade caminha desnuda e solitária. Faz frio. Embora peça, não lhe dão abrigo. Ao cerrarem-lhe as portas, os moradores, assustados, perguntam: “quem és tu? O que é mesmo a verdade?”
Há muito naquela localidade não havia espaço para a Verdade, pois o tapeado povo se deixara maravilhar pela hábil fala e pela doce ilusão da ardilosa Fábula. Esta, sempre vestida de forma ostensiva, com plumas, paetês e reluzentes joias, quase todas falsas, quase todas de pirita (o ouro dos tolos), conseguia a todos maravilhar com as suas invenções aleivosas e discursos bonitos. Naquela localidade a Fábula era o mito.
Ao perceber que a Verdade estava só, a Fábula não hesitou em lhe propor:
– Ó, minha doce Verdade, por que insiste em viver assim ao relento? Deixa que eu lhe cubra com o meu manto. Dar-lhe-ei calor, abrigo e ostentação. Juntas haveremos de, a todos, encantar e convencer, pois os sábios não mais me desprezarão, já que estarei ao seu lado. Os tolos simplesmente lhe endeusarão; afinal, também não se cantou que tem a Verdade “seu dom de iludir?”
A Verdade, sem hesitar, lhe respondeu:
– Ó, minha abstrata Fábula, embora consiga aos títeres comandar, você, com sua ingenuidade, por si só, niilifica-se. Hoje, você, com seus encantos e falsas promessas, ilude os tolos, os neófitos e os fracos de propósitos. Mas você bem sabe que logo passará a tempestade, e a realidade far-se-á presente. Você, assim como eu, compreende que a verdade é fato, é cogente, é razão, é necessária. – E continuou:
– Ó, pobre ser que se diz amiga, mas que tem a natureza do escorpião e engana apenas pelo desejo vil de praticar o mal. De você, apenas sinto pena, talvez nem isso. A bem da verdade, não posso com você caminhar, seu destino é morrer só e sem amor. De verdade, somente me resta lhe dizer uma boa verdade: deixa-me na minha solidão, pois prefiro passar frio e ser verdadeira a ser agasalhada com seu manto pérfido.
No mesmo instante em que a Verdade concluía, a bem da verdade, suas verdades, a Fábula perdeu o seu fascínio, esmoreceu e se foi. A aura da manhã dissipou as nuvens cinza, os pássaros começaram a cantar, prenunciou-se um belo dia de sol. É claro e verdadeiro que ele sempre volta toda manhã. Uma criança abriu a janela e sorriu. A Verdade continuou a sua messe e pensou: “ainda há esperança”.
É, meu caro amigo sincero, cada vez me convenço mais de que a Verdade, como o cantor de Violeta Parra, não se pode calar, “porque o silêncio covardemente apanha da maldade que oprime”.
Muito teria ainda para dizer a meu amigo sincero, mas o espaço me restringe. Contudo, ao dar a público o meu reconhecimento, agradeço o seu apoio, confiança, ajuda e, acima de tudo, o fato de ter-me revelado a verdade e mostrado que ela sempre vence as fábulas.
* Inaldo da Paixão Santos Araújo – Mestre em Contabilidade. Conselheiro-corregedor do Tribunal de Contas do Estado da Bahia. Professor. Escritor. [email protected]