1. Introdução
A organização da sociedade em um modelo estatal democrático, no qual o poder decisório é delegado pelo povo a representantes por aquele escolhidos para agirem em benefício da coletividade, implica na irrefutável obrigatoriedade de prestação de contas pelos agentes delegados, premissa consagrada desde o século XVIII, no art. 15 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão[1], originária da Revolução Francesa.
A disponibilização das contas dos governantes possibilita aos principais interessados nos atos praticados pelo Estado acompanhar a aplicação do erário, avaliar os principais impactos da execução das políticas públicas no patrimônio e analisar tendências, inclusive quanto a eventuais necessidades de ampliação do financiamento do governo, o que pode afetar diretamente a sociedade na hipótese de elevação da carga tributária praticada, meio este que se revela como o mais comum para obtenção de recursos no setor público.
Além disso o levantamento periódico de relatórios e outras informações financeiras pode ser extremamente útil para subsidiar a tomada de decisões pelos agentes delegados para gerir o Estado, uma vez que os balanços públicos, caso dotados das características qualitativas da informação contábil descritas no Conceptual Framework for General Purpose Financial Reporting by Public Sector Entities, detêm valores preditivos e/ou confirmatórios capazes de fornecer bases para a escolha dos caminhos mais acertados na gestão financeira pública, contribuindo para o alcance das políticas de governo de forma estruturada e economicamente sustentável.
Como se percebe, a divulgação de informações financeiras governamentais é significativamente relevante para fins de prestação de contas, responsabilização (accountability) e tomada de decisões pelos gestores públicos. Entretanto, para que os relatórios e balanços dos governos cumpram seus objetivos, é fundamental que reproduzam com fidedignidade, em todos os aspectos relevantes, a posição patrimonial, financeira, orçamentária e fiscal dos órgãos e entidades estatais, devendo ainda ser tempestivos, compreensíveis, comparáveis e verificáveis, ressalvadas eventuais limitações inerentes ao reconhecimento, mensuração e evidenciação dos fatos ocorridos, conhecidas como restrições às características qualitativas da informação contábil.
Nesse contexto, ganha relevo o papel desempenhado pelas Entidades Fiscalizadoras Superiores (EFS), órgãos de controle externo com jurisdição sobre estados nacionais, os quais, nos ensinamentos de Lima (2019: 10), são constituídos na forma de Cortes de Contas ou de Auditorias Gerais, e que, segundo a International Organization of Supreme Audit Institutions (Intosai), possuem a mais elevada função de auditoria pública de uma nação. Enquanto terceira parte independente na relação “governante x sociedade”, as EFS contribuem para, entre outros, fortalecer a responsabilização, a transparência e a integridade dos órgãos governamentais, reduzindo a assimetria informacional presente em modelos de delegação de um patrimônio comum à gestão de certos agentes, o que Jensen e Meckling (2008: 89) designaram como Teoria da Agência.
Entre os tipos de trabalhos desenvolvidos pelas EFS, aquele que se destina a ampliar a capacidade das prestações de contas governamentais, aumentando o grau de confiança dos diversos usuários previstos nas demonstrações financeiras divulgadas pelos órgãos e entidades públicos, é a auditoria financeira, nos termos dispostos na International Standard of Supreme Audit Institutions (ISSAI) 200, de autoria da Intosai.
No Brasil, as Cortes de Contas (localmente conhecidas como Tribunais de Contas), encontram-se atualmente em fase de adoção do padrão internacional disseminado pela Intosai para realização de auditorias financeiras, mas experiências isoladas já evidenciam resultados promissores oriundos de processos auditoriais concebidos em observância à ISSAI 200 e demais normativos aplicáveis. Esse é o caso do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP) que, desde 2019, vem realizando auditorias financeiras, sendo oportuno o compartilhamento do aprendizado do órgão de controle externo paulistano em relação ao tema para o seu fomento em âmbito nacional e, quando for o caso, também internacionalmente.
2. Auditoria financeira segundo o padrão da Intosai e demais normas aplicáveis
A auditoria governamental é usualmente conceituada como o processo sistemático de coleta de evidências apropriadas e suficientes, realizado de forma independente e objetiva, com o propósito de avaliar a aderência de uma situação existente (denominada como “condição”) no setor público a um critério aplicável, entendido como as referências ou padrões utilizados para examinar se o objeto auditado está abaixo, se atende ou se excede as expectativas. O critério pode se revestir de diversos formatos, tais como boas práticas, leis, regulamentos e outras normas.
Carvalho Jr. e Baldresca (2019: 91) observam que os critérios possuem um papel de destaque no processo de auditoria por representarem o alicerce que consubstanciará as análises e conclusões acerca do objeto examinado em um determinado trabalho. Os autores pontuam ainda que, além de deter conhecimento dos critérios aplicáveis a um objeto auditado, os auditores necessariamente precisam ter o domínio das regras que orientam o próprio processo auditorial, o que elevará o profissionalismo, a qualidade e a credibilidade das fiscalizações efetuadas. Logo, obedecer às normas de auditoria é fundamental para desenvolver trabalhos metodologicamente estruturados e alcançar resultados satisfatórios.
Apesar de existirem diversos padrões afetos à auditoria governamental internacionalmente aceitos, muitos países vêm convergindo suas normas locais com base no arcabouço intitulado Intosai Framework of Professional Pronouncements (IFPP), editado pela Intosai, fato compreensível dada a abrangência desta entidade, que congrega cerca de duzentos membros das mais variadas regiões do globo, o que propicia amplo debate, bem como a consideração de variadas perspectivas quando da elaboração de orientações voltadas às atividades das Entidades Fiscalizadoras Superiores (EFS). O IFPP é composto pelos princípios (Intosai-P), pelas normas de auditoria (ISSAI), pelas orientações práticas (GUID) e por diretrizes comportamentais do auditor (ainda em fase de elaboração).
Os tipos de auditorias previstos no IFPP são: financeira, operacional e de conformidade. Os princípios da auditoria financeira estão previstos na ISSAI 200, a qual a conceitua como a atividade destinada a determinar, através da obtenção de evidência de auditoria, se as informações financeiras de uma entidade são apresentadas em suas demonstrações de acordo com a estrutura de relatório financeiro e marco regulatório aplicáveis.
Ainda segundo a ISSAI 200, o objetivo da auditoria financeira é relatar aos usuários previstos, com certo nível de confiança e por meio de uma opinião baseada em evidências suficientes e apropriadas, se as demonstrações e demais evidenciações divulgadas são justas e verdadeiras em todos os aspectos relevantes e se foram apresentadas de acordo com a estrutura de relatório financeiro pertinente.
Como já citado, o padrão do IFPP compreende, além das ISSAI, orientações mais detalhadas, que instruem com maior profundidade como o auditor deve proceder em relação a alguns tópicos descritos nas normas centrais de determinado tipo de auditoria. Mas no caso da auditoria financeira, a Intosai optou por recepcionar as International Standards on Auditing (ISAs), normas desenvolvidas pelo International Auditing and Assurance Standards Board (IAASB) e amplamente utilizadas pelas empresas de auditoria independente do setor privado para certificação dos balanços contábeis. Esta decisão se pautou pela expertise do IAASB em trabalhos de asseguração relacionados a demonstrações financeiras, bem como pela conclusão de que as ISAs são relevantes e também aplicáveis ao setor público. Assim, à exceção da ISSAI 200, as demais normas de auditoria financeira (ISSAIs 2000[2]-2899) não são publicadas pela Intosai, estando disponíveis na página da internet do IAASB (não designadas como ISSAIs, e sim como ISAs).
Por definição, o desenvolvimento deste tipo de auditoria é amplamente recomendável para o fortalecimento da accountability e para a redução da assimetria informacional existente no setor público. Isso porque a auditoria financeira tem o condão de melhorar as prestações de contas de órgãos e entidades governamentais, revelando-se como valioso instrumento de fiscalização para a verificação independente da confiabilidade das informações financeiras divulgadas e contribuindo para o adequado direcionamento, a boa utilização e o controle apropriado do emprego dos recursos públicos.
Portanto, auditorias financeiras podem elevar a confiança e a utilidade das contas públicas, ao fornecer asseguração razoável de que as demonstrações representam fidedignamente a situação patrimonial, financeira, orçamentária, fiscal ou outras, dos órgãos e entidades governamentais. Caso os balanços públicos sejam satisfatoriamente auditados, a tomada de decisão pelos gestores será subsidiada por dados concretos e confiáveis, ampliando a possibilidade de acertos e reduzindo os riscos de desequilíbrios econômicos intertemporais. De igual sorte, o controle social será maximizado, dada a adequação da prestação de contas, uma vez que as demonstrações estarão normativamente amparadas e aderentes às características qualitativas da informação contábil, naquilo que for relevante.
O processo de convergência do arcabouço normativo internacional preconizado no IFPP é realizado no Brasil pelo Instituto Rui Barbosa (IRB), associação civil sem fins lucrativos fundada pelos Tribunais de Contas do país, o qual possui como uma de suas finalidades estatutárias justamente elaborar e aprovar normas de auditoria de interesse do controle externo nacional com base no padrão da Intosai. Em 2017, o IRB editou as Normas Brasileiras de Auditoria do Setor Público (NBASP) nível 2, nas quais está compreendida a NBASP 200, uma tradução literal da ISSAI 200 para a língua portuguesa.
De forma semelhante à estratégia adotada pela Intosai, no que tange às normas de auditoria financeira o IRB se limitou a convergir apenas aquela que trata dos princípios fundamentais de tal tipo de auditoria (a ISSAI 200), celebrando acordo de cooperação técnica com o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) para estender a aplicabilidade das Normas de Auditoria Independente de Informação Contábil Histórica (NBC TA), aprovadas em território nacional pelo CFC, às fiscalizações engendradas pelos órgãos de controle externo brasileiros, já que as mencionadas NBC TA correspondem às ISAs editadas pelo IAASB.
Pelo exposto, resta evidente que a regulamentação normativa da auditoria financeira no contexto do controle externo brasileiro reside na NBASP 200 editada pelo IRB e nas NBC TA aprovadas pelo CFC (que passarão a ser denominadas Normas Brasileiras de Contabilidade Aplicáveis à Auditoria de Informação Contábil Histórica Aplicável ao Setor Público – NBC TASP[3] e estão descritas na sua totalidade no Quadro 2).
3. Panorama da aplicação da auditoria financeira pelo controle externo brasileiro
Apesar de prevista desde 1988 na Constituição da República Federativa do Brasil[4], a auditoria financeira obteve a menor média de desempenho nacional quando comparada aos demais tipos (operacional e de conformidade), em avaliação realizada no ano de 2019 pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), entidade representativa dos membros (Ministros, Conselheiros, Ministros Substitutos e Conselheiros Substitutos) dos órgãos de controle externo do país.
Esse resultado foi obtido por meio do Marco de Medição do Desempenho dos Tribunais de Contas (MMD-TC), aprovado pela Resolução Atricon nº 01/2019. O MMD-TC é uma iniciativa integrante do Programa Qualidade e Agilidade dos Tribunais de Contas (QATC), implantado pela Atricon em 2013 e inspirada na Supreme Audit Institutions Performance Measurement Framework (SAI PMF), ferramenta de medição de desempenho desenvolvida pela Intosai.
De acordo com o manual do MMD-TC, o projeto tem por objetivo verificar a atuação do controle externo brasileiro e identificar seus pontos fortes e fracos, em comparação com as boas práticas internacionais e as diretrizes estabelecidas pela associação. As avaliações são efetuadas atribuindo-se pontuações com base em domínios, indicadores, dimensões e critérios que resultam em níveis de desempenho numa escala de 0 a 4, na qual o número 0 ilustra uma atividade não estabelecida ou que não funciona, e o 4 reflete um nível gerenciado (de excelência), ilustrados no diagrama 1. Na edição de 2019, foram analisados mais de 20 mil documentos e 54 mil órgãos jurisdicionados dos 33 Tribunais de Contas existentes no Brasil[5].
O gráfico 1 sintetiza a média nacional por indicadores levantada por ocasião da aplicação do MMD-TC de 2019. Nele, é possível observar que o indicador “QATC 12 – Auditoria Financeira” alcançou o resultado 0,7, o que significa uma atividade que se encontra entre os parâmetros “não estabelecida ou que não funciona” e em “nível de base”, muito distante do “nível gerenciado (de excelência)”, cuja pontuação é o número 4.
Para efeito comparativo, o mesmo gráfico evidencia que a auditoria operacional e a auditoria de conformidade perfizeram, respectivamente, médias 1,4 e 1,3, também distantes do nível de excelência, mas com resultados aproximadamente 100% superiores ao verificado na auditoria financeira.
Ao detalhar o “QATC 12 – Auditoria Financeira” por dimensões, é possível constatar a baixa aplicação desse tipo de fiscalização em escala nacional, uma vez que apenas 9% das Cortes de Contas do país (3, das 33 existentes) realizaram auditorias financeiras nas contas de governo de 2019, em demonstrativos de gestão fiscal do referido ano, ou menos de 80% das entidades sujeitas ao controle, mapeadas conforme abordagem de riscos, foram auditadas na perspectiva financeira no período. Esse resultado pode ser verificado no gráfico 2, na dimensão “abrangência”.
A realidade brasileira diverge em muito da verificada, por exemplo, no continente europeu. É o que demonstra o estudo de autoria de Rossi, Brusca e Condor (2020: 5), no qual foram analisados os sistemas de auditoria de dezoito países integrantes da União Europeia além da Inglaterra e da Suíça. Os autores concluíram que em todas as nações pesquisadas, as auditorias financeiras e de conformidade são amplamente executadas, enquanto a auditoria operacional não é frequente em alguns países. Citando o caso da Romênia, os pesquisadores enumeram a realização de 1.253 auditorias no ano de 2017; destas 1.084 (86,5%) foram auditorias financeiras, enquanto outras 121 (9,7%) foram auditorias de conformidade e apenas 48 (3,8%), operacionais.
O menor grau evolutivo da auditoria financeira no Brasil, frente aos outros tipos descritos nas normas da Intosai, deriva, em grande parte, de dois fatores. O primeiro guarda correlação com o modelo burocrático de gestão da administração pública reinante no país, o qual, consoante o escólio de Castro (2007: 68), tem por princípios a atuação regrada do agente público, onde a estrutura estatal é dotada de numerosos instrumentos de fiscalização que disciplinam a ação dos administradores, com significativa presença de normas formais.
Em que pesem os esforços direcionados à implantação do modelo de gestão gerencial, tendo como marco simbólico a Emenda Constitucional 19/1998, que incluiu o princípio da eficiência no rol a ser obedecido pela administração pública direta e indireta dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios brasileiros, a burocracia continua fortemente presente na gestão governamental do país, o que culminou por afetar a forma pela qual o controle externo priorizava e executava as suas fiscalizações, com uma quase integral predileção por trabalhos de conformidade.
O segundo fator reside no estímulo ao desenvolvimento da auditoria operacional a partir do ano de 2006, devido ao Programa de Modernização do Sistema de Controle Externo dos Estados, Distrito Federal e Municípios Brasileiros (Promoex), viabilizado por um convênio firmado entre Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o então Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) e que teve por objetivo geral fortalecer o sistema de controle externo como instrumento de cidadania, incluindo o aperfeiçoamento das relações intergovernamentais e interinstitucionais.
O Promoex foi um projeto destinado à modernização do conjunto de Tribunais de Contas que atuam nos estados, Distrito Federal e Municípios, principalmente por meio da capacitação de pessoal, introdução de novos procedimentos e sistemas organizacionais e investimentos em informática. O número de processos de trabalho qualificados como auditoria operacional constituiu um dos indicadores avaliados no âmbito do Promoex.
Silva e Mário (2018: 92) destacam em pesquisa sobre o assunto que, após a concretização do Promoex, 82% dos Tribunais de Contas brasileiros passaram a conduzir auditorias operacionais, o que representou um irrefutável avanço na comparação com o cenário pré-Promoex, no qual foi diagnosticado, por meio de autodeclarações dos órgãos de controle externo, a abrangência incipiente desse tipo de auditoria.
Os autores relatam a realização de 235 auditorias operacionais no período entre 2006 e 2013 pelos Tribunais de Contas do país, o que contribuiu para criar uma cultura deste tipo de auditoria no âmbito do controle externo, em sintonia com a mudança que ocorria, na época, na forma como as EFS atuavam em todo o mundo, alterando o foco legalista e de formalismo estrito no acompanhamento dos gastos públicos para a avaliação da qualidade e dos resultados de programas de governo, ou seja, do seu desempenho.
As discussões envolvendo a auditoria financeira no Brasil ganharam força inicialmente no âmbito do Tribunal de Contas da União (TCU), motivadas pelos resultados frustrantes da avaliação patrocinada pelo Banco Mundial sobre o desempenho da gestão e do controle das finanças federais no Brasil, por ocasião da realização do programa internacional Public Expenditure and Financial Accountability (PEFA) em 2009, no qual o país obteve avaliação negativa no indicador relacionado à capacidade da EFS em auditar de forma independente as prestações de contas sobre a gestão dos recursos orçamentários e financeiros e ativos patrimoniais.
O relatório do PEFA sinalizou que o TCU não elaborava uma opinião de auditoria sobre as demonstrações financeiras consolidadas do governo federal, com o intuito de informar se elas apresentavam uma visão adequada das transações financeiras para o período auditado. De acordo com o PEFA, para que isso ocorresse, o TCU precisaria ir além da prática então vigente de um exame legalista das demonstrações e relatórios e concentrar seus esforços na confiabilidade dos sistemas e controles internos que suportam as demonstrações e relatórios.
Diante disso, os Ministros do TCU aprovaram, em 2014, o Acórdão nº 3608/2014-Plenário, no qual foram determinados, entre outros, o planejamento e a implementação de auditorias financeiras anuais de contas ordinárias de alto risco fiscal dos Ministérios da Fazenda e do então existente Ministério da Previdência, bem como a apresentação ao Plenário de uma proposta de regulação, orientação e supervisão das auditorias anuais de demonstrações financeiras de órgãos e entidades federais. No quesito “orientação”, cabe destacar a publicação do Manual de Auditoria Financeira do TCU, em 2016.
Nos demais órgãos de controle externo do Brasil, a crise fiscal enfrentada por alguns estados, com destaque para o Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, foi um dos grandes propulsores dos debates centrados na necessidade de avanços na auditoria financeira. Muitos destes entes divulgaram balanços e relatórios não condizentes com a sua realidade financeira, patrimonial ou fiscal, sem que os Tribunais de Contas responsáveis pelo seu acompanhamento emitissem alertas ou atuassem de forma contundente para melhorar as prestações de contas publicadas, o que fez com que a sociedade passasse a questionar o papel do controle externo no cenário brasileiro.
Diversas matérias foram veiculadas na imprensa nacional abordando o assunto, tal como a publicada no jornal Gazeta do Povo, com o título “Tribunais de Contas: os tribunais do faz de conta”, datada de 22 de agosto de 2019, na qual, em síntese, é criticada a postura dos órgãos de controle externo estaduais por não terem feito nada a respeito das distorções identificadas pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) em balanços dos entes a eles jurisdicionados. Os próprios membros dos Tribunais de Contas, em publicação da Atricon com o título “Quem são e o que pensam os Conselheiros/Ministros dos Tribunais de Contas e seus substitutos” (2020: 52), reconheceram, em sua maioria (78%), que o controle externo não tomou, como regra, as medidas que se impunham para garantir que os governadores cumprissem a Lei de Responsabilidade Fiscal brasileira (Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000).
Tendo em vista a pluralidade de Tribunais de Contas estaduais, distrital, municipais e de município no Brasil (32 órgãos de controle externo ao todo, sendo 26 estaduais, 1 distrital, 3 municipais e 2 de município), com múltiplas realidades distintas daquela verificada no TCU, a estratégia global para fortalecimento da auditoria financeira nestes foi centralizada pelo IRB e pela Atricon, por meio da celebração, em 2018, de acordo de cooperação técnica envolvendo as referidas associações e o órgão central de contabilidade da União, a STN.
Vários grupos de trabalho foram constituídos no âmbito do referido acordo, sendo que um deles tem por escopo reforçar a necessidade dos Tribunais de Contas realizarem auditorias financeiras, como instrumento de asseguração da implantação das Normas Brasileiras de Contabilidade Técnicas do Setor Público (NBC TSP), capitaneado pelo CFC e pela própria STN.
Para tanto, o grupo desenvolveu plano de ação para implantação deste tipo de auditoria em larga escala no controle externo nacional, propondo o compartilhamento de matrizes de planejamento, matrizes de achados, papéis de trabalho, relatórios e outros documentos que compõem o processo de auditoria financeira, a elaboração de manual padrão a ser utilizado por todos os 32 Tribunais, a promoção de capacitações anuais, o acompanhamento regular dos trabalhos realizados em cada órgão de controle externo, entre outros.
Independentemente do desenvolvimento do plano de implantação elaborado pelo grupo de trabalho específico do acordo de cooperação técnica firmado entre IRB, Atricon e STN, alguns Tribunais de Contas já apresentam experiências concretas na realização de auditorias financeiras, entre eles, o Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP).
4. A experiência do TCMSP na realização de auditorias financeiras
O Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP) é o órgão de controle externo responsável por apreciar as contas do Prefeito da maior capital do Brasil em termos econômicos (Poder Executivo) e as da Mesa da Câmara Municipal (Poder Legislativo). Compete ainda ao TCMSP avaliar a aplicação dos recursos públicos municipais, o desempenho das funções de auditoria financeira sobre as contas das unidades administrativas dos órgãos municipais e o julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por bens e valores públicos e da legalidade das concessões iniciais de aposentadorias e pensões concedidas pelo Município, bem como o exame e o julgamento da aplicação de auxílios e subvenções concedidos pelo Município a entidades particulares de caráter assistencial. Em 2020, o orçamento do Município de São Paulo totalizou aproximadamente R$ 69 bilhões, conforme dados da Lei Municipal nº 17.253/19, figurando como o quinto maior do Brasil.
A despeito da classificação internacional das auditorias em três tipos (financeira, operacional e de conformidade), o TCMSP adotava, até 2019, tipologia própria para rotular seus trabalhos de auditoria, dividindo-os em auditorias programadas (aquelas que foram previstas em plano anual de fiscalização do órgão) e auditorias extraplano (não previstas originalmente no plano anual). Ainda assim, ao considerar o conteúdo dos relatórios publicados no website do órgão[6], é possível associar as auditorias por ele desenvolvidas, em sua maioria, a trabalhos de conformidade, independentemente de terem sido previstas ou não nos seus planos anuais de fiscalização, assemelhando-se aos demais Tribunais de Contas do país, nesse aspecto.
Com o avanço das discussões em torno da auditoria financeira, o TCMSP iniciou, a partir de 2019, e em caráter experimental, a realizar auditorias de tal tipo, tendo concluído, até o mês de julho de 2020, três processos fiscalizatórios, cujos dados estão descritos no Quadro 3. Três entidades jurisdicionadas ao TCMSP foram auditadas sob a perspectiva financeira. As auditorias foram realizadas nos anos de 2019 e 2020, amparadas na NBASP 200, editada pelo IRB e nas NBC TA aprovadas pelo CFC.
A primeira foi uma autarquia municipal – o Serviço Funerário do Município de São Paulo (SFMSP), integrante da administração indireta do Poder Executivo. A época da auditoria abrangeu todo o ano de 2018, tendo como objeto contas isoladas do balanço patrimonial (integrantes dos grupos do ativo e do passivo não circulantes) e a demonstração das variações patrimoniais do referido período.
O principal ponto fraco deste trabalho foi o fato de ter sido iniciado após a publicação das demonstrações contábeis do ano examinado, o que impossibilitou a realização de correções tempestivas, pelo SFMSP, nas contas e balanço examinados, com base nos achados de auditoria. A deflagração tardia da auditoria tem raízes no modelo de trabalho do TCMSP em relação à abordagem das entidades integrantes da administração indireta municipal, as quais só apresentam suas contas usualmente no mês de maio do ano subsequente ao de referência (conforme prazo estabelecido em regimento interno da Corte de Contas). A partir do protocolo das contas, as fiscalizações são iniciadas pelo órgão de controle externo paulistano.
Ainda assim, a equipe de auditoria consignou diversas recomendações no relatório final, tendo por base as causas-raízes dos diversos achados identificados no trabalho, encaminhamentos estes direcionados à melhoria da qualidade da informação contábil a ser reportada em demonstrações posteriormente elaboradas pela parte responsável. Muitas dessas recomendações não foram endereçadas ao setor responsável pelo registro contábil e pela elaboração dos balanços, pois as distorções apuradas em alguns casos decorriam de insuficiência de informações de competência de outras unidades da autarquia.
Foi o caso da maior distorção identificada, da ordem de R$ 3,3 bilhões, no imobilizado do SFMSP, em virtude da omissão de reconhecimento, mensuração e evidenciação dos 22 cemitérios e do crematório pertencentes à autarquia municipal, caracterizando subavaliação material do ativo, que no balanço patrimonial da entidade alcançou o valor total de R$ 132,1 milhões, muito abaixo, portanto, da realidade da entidade.
Os auditores verificaram que o setor contábil da autarquia não recebia informações da área responsável pelo controle patrimonial, o que ensejou a elaboração de recomendação ao Gabinete da Superintendência do SFMSP para que editasse ato normatizando o fluxo de informações e ao setor de patrimônio, para que centralizasse as informações dos bens imóveis e as disponibilizasse periodicamente ao setor responsável pela escrituração contábil.
Esse achado foi particularmente importante pois a sua correção trará subsídios relevantes para a análise da efetiva posição econômica da entidade pelos gestores municipais, uma vez que os serviços prestados pela autarquia encontram-se em processo de concessão à iniciativa privada, sendo certo que todos os elementos patrimoniais do objeto a ser concedido devem ser considerados para a justa efetivação do negócio.
Muitas outras distorções relevantes foram detectadas pela equipe de auditores nas contas examinadas do SFMSP, cabendo exemplificar as seguintes: superavaliação do passivo em R$ 37,8 milhões haja vista o registro de precatórios em montante superior à posição consolidada do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo; superavaliação de ativo em, no mínimo, R$ 5,0 milhões devido à manutenção de dívida ativa já prescrita em balanço; superavaliação de ativo em, no mínimo, R$ 3,6 milhões devido à ausência de registro da depreciação e da não constituição de ajuste para perdas sobre créditos a receber; e distorções de classificação, com destaque para o registro, no ativo não circulante, de créditos de concessões de terrenos em cemitérios no montante de R$ 2,2 milhões, vencíveis em 2019 (curto prazo). Em decorrência da materialidade dos achados, a equipe de auditoria emitiu opinião adversa sobre o objeto examinado.
A segunda entidade a ser financeiramente auditada pelo TCMSP foi a Prefeitura do Município de São Paulo (PMSP), tendo como objeto a dívida pública consolidada no período de janeiro a agosto de 2019, tema constantemente selecionado para análise em razão da sua materialidade quantitativa, embora em um formato usualmente mais voltado a aspectos de conformidade contábil. Esse trabalho teve início ainda no curso do ano examinado (em outubro), o que viabilizou o pleno cumprimento do objetivo da auditoria financeira, no sentido de aumentar o grau de confiança dos usuários previstos nas informações divulgadas, já que a parte responsável pela elaboração das demonstrações contábeis providenciou a correção de erros materiais identificados pelos auditores.
A dívida consolidada do Município de São Paulo totalizava R$ 42,1 bilhões ao final do mês de agosto de 2019. Desse montante, R$ 27,7 bilhões integraram o escopo auditado, haja vista que parte da dívida se referia a precatórios, examinados em processo apartado pelo TCMSP. O valor fiscalizado correspondia a 48,4% do passivo total da PMSP, à época.
Foram identificadas pela equipe de auditores distorções relevantes em contas de controle representativas de passivos e ativos contingentes, nos valores de R$ 30,7 bilhões e R$ 572,5 milhões, respectivamente, em razão do reconhecimento incorreto de garantias atreladas à dívida que não atendiam aos critérios normativos para registro, bem como à ausência de contabilização de contratos de operações de crédito (empréstimos contratuais) assinados, mas ainda pendentes de arrecadação.
Após comunicação dos achados à PMSP, as correções foram procedidas antes da finalização do relatório de auditoria, o que possibilitou a emissão de opinião não modificada acerca do objeto examinado. Nesse trabalho, ficou evidente a capacidade das auditorias financeiras em melhorar a qualidade da prestação de contas, pois os balanços patrimoniais anteriormente divulgados pela Prefeitura evidenciavam, em quadro específico, a existência de vultosos passivos contingentes que sinalizavam riscos fiscais com potencial de afetar o equilíbrio das finanças públicas, caso se concretizassem, passivos estes que, na realidade, inexistiam.
Cumpre salientar, ainda no que se refere à auditoria financeira da dívida consolidada da PMSP, a segregação (até então inédita) de testes de controle e testes substantivos, fruto da inovadora abordagem baseada em riscos, que possibilitou, na fase de planejamento do trabalho, avaliar o nível de confiança dos controles internos atrelados ao objeto auditado, com conclusão preliminar satisfatória destes para determinados tipos de afirmação. Nesses termos, o volume de testes substantivos foi reduzido e a efetividade operacional dos controles tidos como confiáveis foi testada durante a execução da auditoria, permitindo à equipe de auditores concentrar esforços nos riscos mais significativos no contexto do trabalho, viabilizando a identificação de distorções outrora não detectadas nas fiscalizações de anos pretéritos sobre o mesmo tema.
Outro marco foi a ampla utilização da técnica de confirmação externa, por meio de circularização positiva branca abarcando todos os credores da dívida da Prefeitura, cujas respostas atestaram a fidedignidade dos saldos escriturados em contas representativas das obrigações municipais. Os trabalhos efetuados em anos anteriores sobre o assunto se limitaram à aplicação das técnicas de análise de contas e recálculo, para certificação dos saldos da dívida.
Os resultados alcançados nessa auditoria reforçaram a necessidade de aplicação dos princípios colacionados na ISSAI/NBASP 200, em especial quanto à importância do entendimento da entidade, da definição da materialidade, da avaliação de riscos e do adequado delineamento de procedimentos adicionais de auditoria em resposta aos riscos mapeados.
Os balanços de 2019 da Câmara Municipal de São Paulo (CMSP) constituíram o objeto da terceira auditoria financeira realizada pelo TCMSP, que foi a primeira, alinhada à NBASP 200 e às NBC TA, compreendendo o conjunto completo de demonstrações previsto nas normas aplicáveis, em especial na NBC TSP 11 – Apresentação das Demonstrações Contábeis.
O mesmo problema de tempestividade na ação do controle externo verificada no SFMSP ocorreu no caso da auditoria financeira da CMSP, dessa vez motivada pela priorização dos trabalhos envolvendo a PMSP, haja vista os prazos para instrução processual sobre as contas do Legislativo e do Executivo (administração direta) serem comuns no TCMSP (entrega dos relatórios de fiscalização anual pela auditoria aos Gabinetes dos Conselheiros Relatores até meados de abril, para ambos).
A auditoria financeira sobre os balanços da CMSP foi realizada durante o período de 16 de janeiro a 7 de abril de 2020. Embora se trate de exame sobre o Poder Legislativo, com valores proporcionalmente muito inferiores aos do Poder Executivo, a Câmara de Vereadores paulistana possui significativa complexidade estrutural e administra recursos expressivos. Para se ter uma ideia, o montante originalmente alocado à CMSP no seu orçamento de 2019, da ordem de R$ 694,7 milhões, superou o orçamento total individualizado de 5.310 municípios brasileiros (prefeituras e câmaras juntas), conforme dados extraídos do Siconfi, de um universo de 5.464 Entes que disponibilizaram seus dados. Ou seja, o orçamento inicial de 2019 da Câmara de São Paulo superou 97,2% dos municípios brasileiros que enviaram dados ao Tesouro Nacional, relativos ao primeiro bimestre de 2019, o que demonstra a sua magnitude.
A equipe de auditoria detectou distorções materiais nos balanços divulgados pela CMSP, que culminaram na emissão de opinião adversa, uma vez que, na avaliação dos auditores, as demonstrações financeiras de 2019 não apresentaram, quando analisadas em conjunto, uma visão correta e adequada da sua posição financeira, em desacordo com a estrutura de relatório financeiro aplicável.
As principais distorções identificadas foram: a subavaliação do ativo imobilizado em R$ 30,5 milhões, devido à manutenção do valor contábil dos imóveis da CMSP (edifícios e terreno) com base nos registros originais da entidade transferidora (a PMSP), datados de 2018, sem adoção do modelo de mensuração da reavaliação em 2019; a subavaliação do ativo intangível em, no mínimo, R$ 29,5 milhões, tomando por base o registro de custos no montante de R$ 15,5 milhões diretamente atribuíveis ao desenvolvimento de softwares, contabilizados erroneamente como despesas, e a amortização indevida de licenças perpétuas, no montante de R$ 14,1 milhões; a classificação patrimonial incorreta de despesas com benefícios a pessoal (vale-refeição e vale-transporte), no montante de R$ 25 milhões, como serviços de terceiros – pessoa jurídica e de despesas assistenciais (auxílio-saúde), da ordem de R$ 15 milhões, como indenizações e restituições, entre outras.
Mesmo não conseguindo proporcionar a correção tempestiva das distorções detectadas, os auditores formularam 35 recomendações no relatório final, as quais, caso adequadamente tratadas pela CMSP, decerto contribuirão para elevar a qualidade da prestação de contas do Poder Legislativo paulistano em períodos ulteriores.
As três auditorias financeiras experimentalmente realizadas pelo TCMSP, ora relatadas, demonstram cabalmente que o desenvolvimento desse tipo de fiscalização de maneira aderente à ISSAI/NBASP 200 e às NBC TA contribuirá sobremaneira para aprimorar a qualidade da informação contábil reportada pelos Poderes Executivo e Legislativo do Município de São Paulo, agregando valor às demonstrações e relatórios elaborados pelo governo, tanto para fins de prestação de contas como para tomada de decisão a cargo dos agentes públicos delegados para gerir os recursos estatais.
Contudo, há numerosos desafios à sua disseminação institucional na Corte de Contas, notadamente no que tange à mudança da cultura fiscalizatória direcionada à avaliação de aspectos de conformidade, à capacitação dos auditores para o pleno desenvolvimento dos trabalhos de forma normativamente respaldada e à instauração de procedimentos tempestivos, que permitam a correção de demonstrações antes da sua aprovação e publicação.
5. Considerações finais
A auditoria financeira desenvolvida pelas Entidades Fiscalizadoras Superiores (EFS) representa um importante instrumento de governança, ampliando a capacidade dos relatórios e balanços públicos para fins de accountability, controle social e tomada de decisão pelos gestores.
Enquanto processo de asseguração razoável da fidedignidade, relevância, compreensibilidade, tempestividade, verificabilidade e comparabilidade das demonstrações financeiras (observadas as restrições inerentes ao cumprimento de todas essas características) elaboradas pelos governos, esse tipo de auditoria é fortemente indicado para reduzir a assimetria informacional característica do delineamento estatal, no qual o patrimônio comum é gerido por terceiros legalmente instituídos para tal função em regimes democráticos.
Embora os benefícios oriundos de fiscalizações dessa natureza sejam irrefutáveis, a auditoria financeira ainda ocupa papel coadjuvante no Brasil, quando comparada aos demais tipos de auditoria previstos nas normas internacionais da Intosai: a auditoria operacional e de conformidade. As razões para isso são variadas, mas o arranjo cultural do controle externo, voltado à validação dos mecanismos de freios e contrapesos característicos de modelos de gestão burocrática, bem como o estímulo ao desenvolvimento exclusivamente das auditorias operacionais no país entre os anos de 2006 e 2013, motivadas pelo Promoex, contribuíram para tal cenário.
Variadas avaliações engendradas por entidades internacionais ou por corporações associativas instituídas pelos próprios órgãos de controle externo do Brasil têm demonstrado a necessidade de aprimoramento da auditoria financeira nos Tribunais de Contas do país. Além disso, crises fiscais enfrentadas por entes subnacionais, em especial por alguns Estados, jogam luz na lacuna existente no exame das prestações de contas, a cargo das Cortes de Contas, no que concerne à fidedignidade dos balanços divulgados e à adequação à estrutura de relatório financeiro aplicável, preconizado pelas NBC TSP, editadas pelo Conselho Federal de Contabilidade.
Algumas iniciativas vêm sendo implementadas em ambiente nacional para disseminação das auditorias financeiras pelo Brasil, com ênfase para as deflagradas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que institucionalizou plano de médio prazo para o fortalecimento desse tipo de auditoria em âmbito interno, já tendo resultados concretos no exame das contas consolidadas da União de anos recentes. Entidades de classe representativas dos demais Tribunais de Contas também se movimentam para estimular a auditoria financeira, sendo este um dos objetivos do acordo de cooperação técnica celebrado em 2018 entre o IRB, a Atricon e a STN.
Mesmo com um plano de ação de abrangência nacional, algumas Cortes de Contas locais vêm, por iniciativa própria, realizando auditorias financeiras em caráter experimental, para avaliação das dificuldades e benefícios a ela atrelados. É o caso do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP), que concluiu três fiscalizações sob este formato, nos anos de 2019 e 2020, envolvendo três entidades a ele jurisdicionadas.
A experiência do Tribunal de Contas paulistano pode servir como indutor para a realização de tal tipo de auditoria por outros órgãos de controle externo, uma vez que aclara, de forma prática, os benefícios verificados, principalmente pela agregação de valor às demonstrações financeiras elaboradas pela parte responsável, bem como suscitar discussões acerca de oportunidades de melhoria, com o relato das fragilidades correlacionadas à tempestividade dos exames e às dificuldades para disseminação da auditoria financeira de forma institucional na Corte de Contas.
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Resenha biográfica
Jorge Pinto de Carvalho Júnior. Especialista em direito público e controle municipal (Unibahia) e em gestão pública municipal (Uneb). MBA em contabilidade governamental (FVC). Bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Agente de Fiscalização – Especialidade Ciências Contábeis do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP). Membro do Grupo Assessor do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) para convergência das normas de contabilidade aplicadas ao setor público. Coautor dos livros: Entendendo a Contabilidade Orçamentária Aplicada ao Setor Público (2015); Entendendo a Contabilidade Patrimonial Aplicada ao Setor Público: do ativo ao patrimônio líquido (2017); Entendendo o Plano de Contas Aplicado ao Setor Público (2ª ed. – 2017); Auditoria no Setor Público com Ênfase no Controle Externo: teoria e prática (2019). Endereço: Avenida Professor Ascendino Reis, 1.130, 3º andar – Vila Clementino, Código Postal: 04.027-000, São Paulo, Brasil. Tel.: (5511) 5080-1360.
E-mail: jorge.junior@tcm.sp.gov.br
Quadros, tabelas, gráficos
Quadro 1 – Siglas
ATRICON
Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil
BID
Banco Interamericano de Desenvolvimento
CFC
Conselho Federal de Contabilidade
CMSP
Câmara Municipal de São Paulo
EFS
Entidade(s) Fiscalizadora(s) Superior(es)
GUID
Intosai Guidance
IAASB
International Auditing and Assurance Standards Board
IFPP
Intosai Framework of Professional Pronouncements
INTOSAI-P
Intosai Principles
IRB
Instituto Rui Barbosa
ISA
International Standards on Auditing
ISSAI
International Standard of Supreme Audit Institutions
INTOSAI
International Organization of Supreme Audit Institutions
MMD-TC
Marco de Medição do Desempenho dos Tribunais de Contas
MPOG
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
NBASP
Normas Brasileiras de Auditoria do Setor Público
NBC TA
Normas Brasileiras de Contabilidade Aplicáveis à Auditoria de Informação Contábil Histórica
NBC TASP
Normas Brasileiras de Contabilidade Aplicáveis à Auditoria de Informação Contábil Histórica Aplicável ao Setor Público
NBC TSP
Normas Brasileiras de Contabilidade Técnicas do Setor Público
PEFA
Public Expenditure and Financial Accountability
PMSP
Prefeitura do Município de São Paulo
PROMOEX
Programa de Modernização do Sistema de Controle Externo dos Estados, Distrito Federal e Municípios Brasileiros
QATC
Programa Qualidade e Agilidade dos Tribunais de Contas
SAI PMF
Supreme Audit Institutions Performance Measurement Framework
SICONFI
Sistema de informações contábeis e fiscais do setor público brasileiro
SFMSP
Serviço Funerário do Município de São Paulo
STN
Secretaria do Tesouro Nacional
TCMSP
Tribunal de Contas do Município de São Paulo
TCU
Tribunal de Contas da União
Fonte: o autor, 2020.
Quadro 2 – Normas Brasileiras de Contabilidade Aplicáveis à Auditoria de Informação Contábil Histórica – NBC TA
NBC TA
Nome da Norma
Correlação IAASB
Estrutura Conceitual
Estrutura conceitual para trabalhos de asseguração
Framework
200
Objetivos gerais do auditor independente e a condução da auditoria em conformidade com normas de auditoria
ISA 200
210
Concordância com os termos do trabalho de auditoria
ISA 210
220
Controle de qualidade da auditoria de demonstrações contábeis
ISA 220
230
Documentação de auditoria
ISA 230
240
Responsabilidade do auditor em relação a fraude, no contexto da auditoria de demonstrações contábeis
ISA 240
250
Consideração de leis e regulamentos na auditoria de demonstrações contábeis
ISA 250
260
Comunicação com os responsáveis pela governança
ISA 260
265
Comunicação de deficiências de controle interno
ISA 265
300
Planejamento da auditoria de demonstrações contábeis
ISA 300
315
Identificação e avaliação dos riscos de distorção relevante por meio do entendimento da entidade e do seu ambiente
ISA 315
320
Materialidade no planejamento e na execução da auditoria
ISA 320
330
Resposta do auditor aos riscos avaliados
ISA 330
402
Considerações de auditoria para a entidade que utiliza organização prestadora de serviço
ISA 402
450
Avaliação das distorções identificadas durante a auditoria
ISA 450
500
Evidência de auditoria
ISA 500
501
Evidência de auditoria – considerações específicas para itens selecionados
ISA 501
505
Confirmações externas
ISA 505
510
Trabalhos iniciais – saldos iniciais
ISA 510
520
Procedimentos analíticos
ISA 520
530
Amostragem em auditoria
ISA 530
540
Auditoria de estimativas contábeis, inclusive do valor justo, e divulgações relacionadas
ISA 540
550
Partes relacionadas
ISA 550
560
Eventos subsequentes
ISA 560
570
Continuidade operacional
ISA 570
580
Representações formais
ISA 580
600
Considerações especiais – auditorias de demonstrações contábeis de grupos, incluindo o trabalho dos auditores dos componentes
ISA 600
610
Utilização do trabalho de auditoria interna
ISA 610
620
Utilização do trabalho de especialistas
ISA 620
700
Formação da opinião e emissão do relatório do auditor independente sobre as demonstrações contábeis
ISA 700
701
Comunicação dos principais assuntos de auditoria no relatório do auditor independente
ISA 701
705
Modificações na opinião do auditor independente
ISA 705
706
Parágrafos de ênfase e parágrafos de outros assuntos no relatório do auditor independente
ISA 706
710
Informações comparativas – valores correspondentes e demonstrações contábeis comparativas
ISA 710
720
Responsabilidade do auditor em relação a outras informações
ISA 720
800
Considerações especiais – auditorias de demonstrações contábeis elaboradas de acordo com estruturas conceituais de contabilidade para propósitos especiais
ISA 800
805
Considerações especiais – auditoria de quadros isolados das demonstrações contábeis e de elementos, contas ou itens específicos das demonstrações contábeis
ISA 805
810
Trabalhos para a emissão de relatório sobre demonstrações contábeis condensadas
ISA 810
Fonte: Conselho Federal de Contabilidade (CFC).
Quadro 3 – Auditorias Financeiras realizadas pelo TCMSP até julho de 2020
Processo
Parte Responsável (Auditada)
Objeto
eTCM nº 007451/2019
Serviço Funerário do Município de São Paulo
Balanço Patrimonial (grupo não circulante) e Demonstração das Variações Patrimoniais do exercício financeiro de 2018
eTCM nº 018391/2019
Prefeitura do Município de São Paulo
Dívida pública consolidada (janeiro a agosto de 2019)
eTCM nº 001428/2020
Câmara Municipal de São Paulo
Balanços do exercício financeiro de 2019
Fonte: website do Tribunal de Contas do Município de São Paulo.
Diagrama 1 – Definições simplificadas dos níveis de desempenho dos Tribunais de Contas do Brasil segundo critérios do MMD-TC
Fonte: manual de procedimentos 2019 do MMD-TC (versão 1.0, de 15/03/2019)
Gráfico 1 – Desempenho por indicador (média nacional)
Fonte: avaliação dos Tribunais de Contas – MMD-TC 2019.
Gráfico 2 – Resultado da Avaliação da Auditoria Financeira nos Tribunais de Contas do Brasil em 2019
Fonte: Relatório consolidado do MMD, ciclo 2019 (QATC nº 12)
Resumo
Atuar em prol do interesse público de maneira independente, autônoma e transparente constitui mandamento basilar das Entidades Fiscalizadoras Superiores (EFS), revelando-se como seu principal desígnio e, em uma análise mais ampla, como a razão de sua existência. Pautando-se por tal premissa, as EFS assumem papel relevante no contexto governamental, agindo como instrumentos de mudança da realidade e contribuindo para o aprimoramento da gestão pública, com reflexos diretos na qualidade de vida da sociedade.
Para cumprir com seu desiderato, as EFS realizam auditorias as quais, segundo o Intosai Framework of Professional Pronouncements (IFPP), editado pela International Organization of Supreme Audit Institutions (Intosai) dividem-se em três tipos: financeira, de conformidade e operacional. No tocante ao fortalecimento da accountability e da redução da assimetria informacional existente no setor público, ganha relevo a auditoria financeira, que, nos termos da ISSAI 200, tem por objetivo relatar aos usuários previstos, com certo nível de confiança e por meio de uma opinião baseada em evidências suficientes e apropriadas, se as demonstrações e demais evidenciações divulgadas são justas e verdadeiras em todos os aspectos relevantes e se foram apresentadas de acordo com a estrutura de relatório financeiro pertinente.
Logo, auditorias financeiras podem contribuir sobremaneira para a credibilidade e utilidade das contas públicas, ao garantir asseguração razoável de que as demonstrações representam fidedignamente a situação patrimonial, financeira, orçamentária, fiscal ou outras, dos órgãos e entidades governamentais. Com isso, a tomada de decisão repousa em dados concretos e confiáveis, ampliando a possibilidade de acertos e reduzindo os riscos de desequilíbrios econômicos intertemporais. De igual sorte, o controle social é maximizado, dada a adequação da prestação de contas, uma vez que as demonstrações estarão normativamente amparadas e aderentes às características qualitativas da informação contábil, naquilo que for relevante.
No Município de São Paulo, a Corte de Contas local vem aplicando desde 2019, de forma experimental, os princípios preconizados pela ISSAI 200 nas suas auditorias financeiras, já tendo visualizado, na prática, alguns benefícios oriundos da realização deste trabalho. A experiência do Tribunal de Contas paulistano pode servir como indutor para a realização de tal tipo de auditoria por outros órgãos de controle externo, bem como suscitar discussões acerca de oportunidades de melhoria diante da práxis ora exposta.
Palavras-chave: auditoria financeira; controle externo; accountability; governança.
Abstract
Acting in the public interest in an independent, autonomous and transparent manner constitutes a basic commandment of the Supreme Audit Institutions (SAI), revealing itself as its main designation and, in a broader analysis, as the reason for its existence. Based on this premise, the SAI assumes a relevant role in the governmental context, acting as an instrument of change of reality and contributing to the improvement of public management, with direct repercussions on the quality of life of society.
In order to comply with its aim, the SAI carry out audits which, according to the Intosai Framework of Professional Pronouncements (IFPP) edited by the International Organization of Supreme Audit Institutions (Intosai), are divided into three types: financial, compliance and performance audits. Regarding the strengthening of accountability and the reduction of informational asymmetry in the public sector, the financial audit stands out under ISSAI 200 it aims to report to expected users, with a certain level of confidence and through an opinion based on sufficient and appropriate evidence, whether the statements and other evidence disclosed are fair and true in all relevant aspects and whether they were presented in accordance with the relevant financial reporting framework.
Therefore, financial audits can greatly contribute to the credibility and usefulness of financial statements, by ensuring reasonable assurance that the statements faithfully represent the patrimonial, financial, budgetary, fiscal or other situation of government agencies and entities. Thus, decision making rests on concrete and reliable data, expanding the possibility of success and reducing the risks of intertemporal economic imbalances. Likewise, social control is maximized, given the adequacy of accountability, since the statements will be normatively supported and adherent to the qualitative characteristics of the accounting information, where relevant.
In the Municipality of São Paulo, the local Court of Counts has been applying, since 2019, on an experimental basis, the principles recommended by ISSAI 200 in its financial audits, having already seen, in practice, some benefits arising from the performance of this work. The experience of the São Paulo Court of Counts can serve as an inducer for the performance of such types of audit by other external control bodies. Furthermore it provokes discussions about opportunities for improvement in view of the praxis now exposed.
Keywords: financial audit; external control; accountability; governance.
[1] Art. 15. A sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público pela sua administração.
[2] Quando da elaboração deste artigo, a Intosai havia colocado em consulta pública a minuta da ISSAI 2000 – aplicação das normas de auditoria financeira. Disponível em: https://www.issai.org/wp-content/uploads/2019/08/ISSAI-2000-Exposure-draft.pdf. Acesso em 15-08-2020.
[3] Quando da elaboração deste artigo, o CFC havia disponibilizado para audiência pública a minuta de alteração da Resolução 1.328/11, que recepciona normas de Auditoria Governamental. Disponível em: https://cfc.org.br/tecnica/audiencia-publica/. Acesso em 17-08-2020.
[4] Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
[…]
IV – realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II; (grifo nosso)
[5] Conforme informações divulgadas pela Atricon no seu website. Disponível em: http://www.atricon.org.br/imprensa/destaque/resultados-do-ciclo-2019-do-mmd-tc-sao-apresentados-no-i-citc/. Acesso em 18-08-2020.
[6] Disponível em: https://portal.tcm.sp.gov.br/ConsultaProcesso/Resolucao . Acesso em 19-08-2020.