Brasil: entre o paraíso da omissão e o dever do controle

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A carta do leitor Jurandi S. Araújo (“Brasil: Paraíso e inferno”, A TARDE, 27/10/2025) retrata um sentimento coletivo: a indignação diante de ruínas de obras inacabadas, símbolo de um país onde a esperança se dissolve no abandono. O caso do distrito de Geolândia, em Cabaceiras do Paraguaçu/BA, é o retrato de lugares onde há o mau uso do dinheiro público e o povo fica sem o benefício prometido.

Jurandi pergunta por que órgãos de controle não agem adequadamente e por que a impunidade prevalece. A resposta passa pela compreensão de como o sistema de controle público deve funcionar — à luz da Lei nº 14.133/2021, que rege as licitações e os contratos e enfatiza esse sistema ao destacar três linhas de defesa (art. 169).

A primeira linha é formada por quem executa: servidores que atuam na estrutura de governança, que planejam e fiscalizam as obras. A segunda, pelas assessorias jurídicas e unidades de controle interno, que devem corrigir falhas e prevenir danos. Já a terceira é composta pelos órgãos de controle interno central e pelos Tribunais de Contas, que avaliam a efetividade do gasto público e responsabilizam infratores.

Quando essas linhas não se comunicam adequadamente, o resultado pode ser o que se vê em Geolândia: desperdício e descrédito. Mas quando atuam de modo articulado e transparente, formam uma rede de proteção ao interesse público.

O Tribunal de Contas do Estado da Bahia (TCE/BA) busca exercer um papel que vai além de fiscalizar. Seu compromisso também é pedagógico: orientar gestores, difundir boas práticas, capacitar servidores e estimular o uso de ferramentas tecnológicas, como seu Sistema de Observação das Contas Públicas, que amplia a transparência e o controle social. Fiscalizar, afinal, é também educar para o bom uso do dinheiro público.

Mas o controle não é apenas uma tarefa das instituições. É também um direito e um dever do cidadão. O senhor Jurandi — e qualquer brasileiro — pode solicitar informações à prefeitura sobre os responsáveis pela execução das obras paradas (primeira linha de defesa) e sobre o controle interno municipal (segunda linha). Pode requerer cópias de documentos com base na Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011). Se constatar indícios de irregularidade, pode acionar a terceira linha de defesa, em especial o Tribunal de Contas, que dispõe de canais abertos para denúncias.

O verdadeiro inferno brasileiro são a omissão e a descrença. O verdadeiro paraíso começa quando instituições e cidadãos compreendem que o controle é um instrumento de cidadania. Se o dinheiro público pertence a todos, a vigilância sobre ele também deve ser de todos.

Que a voz de Jurandi, ecoando de Geolândia, lembre a cada um de nós que indignar-se é o primeiro passo — mas agir é o que verdadeiramente transforma o país.

Inaldo da Paixão Santos Araújo

Inaldo da Paixão Santos Araújo é Mestre em Contabilidade, Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado da Bahia, Professor da Universidade do Estado da Bahia, Vice-presidente de auditoria do Instituto Rui Barbosa, Escritor.