Diversos acontecimentos foram responsáveis, nas últimas décadas, pelos fenômenos de transformação ocorridos no mundo – incluindo a recente crise econômica e financeira mundial –, o que está movimentando um novo modelo comportamental e de pensamento para melhorar o desempenho do Estado.
Oferecer respostas efetivas a necessidades ou demandas coletivas que sejam politicamente desejadas e legitimadas através do voto, na busca de resultados que modifiquem aspectos da sociedade, por meio do uso eficiente, ético e transparente dos recursos públicos é talvez uma das pautas mais desafiadoras da Governança Pública atual.
O direito fundamental à boa administração ainda que constitucionalmente alicerçado no artigo 37 da Constituição Federal, notadamente por meio do Princípio da Eficiência, acrescido pela Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998, somente ganhou destaque a partir da publicação do Decreto n. º 9.203, de 22 de novembro de 2017, que dispôs sobre a política de governança da Administração Pública federal direta, autárquica e funcional, estabelecendo como princípios da governança pública: a capacidade de resposta, a integridade, a confiabilidade, a melhoria regulatória, a prestação de contas e responsabilidade (accountability) e, por fim, a transparência.
Não há dúvidas que o tema governança vem sinalizando novas tendências de administração pública e de gestão de políticas públicas, e essa corajosa motivação em adaptar e transferir experiências prósperas do setor privado para o setor público brasileiro pode ser medida pelo crescente destaque que a literatura vem dedicando nos últimos anos ao assunto, associado aos reiterados acórdãos do Tribunal de Contas da União – TCU referenciando a matéria.
Assoma-se a isso, as iniciativas de capacitação, incentivo e fomento da Controladoria Geral da União – CGU, através da Portaria n. º 1.089, de 25 de abril de 2018, que estabeleceu as devidas orientações para que os órgãos e as entidades da Administração Pública Federal direta, autárquica e funcional adotem procedimentos para a estruturação, a execução e o monitoramento de seus programas de integridade, evidenciando a relevância e a atualidade do assunto, que visa ampliar a discussão e a compreensão sobre a entrega de valor que reflita resultados.
Mesmo diante do caráter fundamental na criação de um ambiente favorável e um modelo adaptável capaz de sobreviver a um cenário complexo que assegure o efetivo e sustentável desenvolvimento econômico, o conceito de governança já superou os limitados meios operacionais e de gestão, passando a incorporar novos elementos, além dos tradicionais, onde toda a atenção deixa de ser dada somente ao controle dos meios e passa a se justificar no controle dos fins. A boa governança, inclusive, é capaz de trazer resultados adicionais no gerenciamento da forte crise de imagem e confiança em que o Estado está imerso.
Um dos principais aspectos da boa governança é garantir que a atuação pública seja tida como legítima pelo cidadão, visando o resgate dos aspectos da delegação, como por exemplo, ao relacionar o que foi pactuado com a população nas campanhas eleitorais com os atos de governo, verifica-se, por vezes, que as propostas apresentadas na fase eleitoral não têm qualquer possibilidade de implementação.
Deve-se, para tanto, reconhecer ainda que boas práticas de governança não são receitas universais e atemporais, necessitando ser constantemente reexaminadas, mesmo quando tenham se provado exitosas. O que funciona em um contexto pode não funcionar em outro. É fundamental a criação de instrumentos que viabilizem a boa governança pública em todas as esferas.
Diante da evolução gerencial da Administração Pública, elevando os modelos de gestão a parâmetros mais eficientes, é basilar que o direito à boa governança pública assuma caráter fundamental, de modo a permitir que a sociedade alcance a real significação do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Pode-se dizer que a boa governança é um conceito essencialmente democrático e que, sobretudo, se realmente implementada, leva a uma eficácia significativamente maior dos direitos humanos.[1]
Autor: Rodrigo Coelho do Carmo: Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo; Contador; Pós Graduado em Gestão Pública.
[1] Christian Tomuschat, jurista alemão e ex-membro do Comitê de Direitos Humanos da ONU.