O papel das Cortes de Contas na era da desinformação

Dados, Informação e Conhecimento

As redes sociais nasceram com a promessa de manter as pessoas conectadas com amigos, família e de ser uma forma fácil de nos atualizarmos sobre assuntos de nosso interesse. O facebook definiu isso na sua missão, quando foi criado na metade da primeira década do século XXI: “to make the world more open and connected”. Tudo isso sem termos que pagar por seu uso. Será que isso é verdade? O jornalista Andy Lewis tuitou em 2010 que “se você não está pagando por um produto, você é o produto!”. Fato é que vivemos em uma época dominada pelas redes sociais. É inacreditável que alguns poucos engenheiros e designers de tecnologia possam dominar bilhões de pessoas, conduzindo-os no seu modo de pensar, agir e viver. Mais que isso, as redes sociais acabaram por possibilitar a disseminação desenfreada de fake news. De acordo com Bradshaw e Howard (2019), pesquisadores da Universidade de Oxford, alguns governos já fazem uso das redes sociais para espalhar informações falsas para colocar em descrédito opositores políticos, matar ideias contrárias e até para suprimir direitos humanos. O mesmo relatório informa que há evidências de manipulação de campanhas políticas por meio de redes sociais em mais de 70 países nas eleições de 2017 e 2018 e que o número de países com campanhas de desinformação política nas redes sociais dobrou nos últimos dois anos. A verdade é que o uso das redes sociais permite alcançar um grande número de pessoas com grande facilidade, dando aos maus atores a ferramenta ideal para espalhar discórdia e alimentar divisões políticas. E quanto mais uma pessoa usa as redes sociais, mais a rede social sabe sobre seus gostos, atitudes, forma de pensar e agir. Os algoritmos de inteligência artificial dessas redes aprendem mais sobre você e passam a sugerir novos vídeos, pessoas para seguir, imagens, notícias, postagens que dão ‘batem’ com você. Já parou para pensar que a sua timeline nunca é igual a de outra pessoa, por mais próxima e parecida com você seja essa pessoal? Os algoritmos criam uma timeline exclusiva para cada pessoa, com base no conhecimento que eles adquirem sobre você.

Mas nessa era da desinformação e com as eleições se aproximando, como saber o que é verdade e o que é fake news? Onde buscar informações confiáveis que possam ajudar o eleitor a escolher seu candidato? Acredito que aí entram com grande força os Tribunais de Contas. Os Tribunais de Contas são órgãos autônomos e independentes de controle externo, responsáveis pela fiscalização contábil, financeira e orçamentária do setor público, ou seja, o objeto a ser controlado são as contas públicas, o que implica que todo gestor público deva prestar contas de seus atos à Corte de Contas a que é jurisdicionado (TAKEDA, 2010). Com isso, os Tribunais de Contas possuem informações contábeis, financeiras, de licitações, contratos, de atos de pessoal, de repasses, ou seja, praticamente todos os dados sobre os gastos públicos de seus entes jurisdicionados. E esses dados são auditados e validados, sendo, portanto, dados confiáveis e de qualidade. Nesse sentido, vários tribunais têm criado painéis e infográficos, disponibilizando dados e informações relevantes sobre cada jurisdicionado e, especialmente, de municípios, estados e casas legislativas. Esses painéis são interativos, com linguagem de fácil entendimento e disponibilizam os dados em formato aberto, sendo fonte riquíssima e confiável de informações. O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP), por exemplo, possui o Observatório Fiscal, que mostra como cada município do Estado de SP arrecada e gasta o dinheiro público. Há ainda o Mapa das Câmaras, que mostra quanto cada cidadão paga por ano somente para manter a câmara de sua cidade funcionando. Grandes consumidoras de recursos públicos são obras paralisadas e atrasadas e o TCESP tem um painel que mostra isso: obras do âmbito municipal e estadual. Há ainda o Visor, que mostra como está a gestão municipal em relação às obrigações previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal, como, por exemplo, o excesso com gasto de pessoal e decorrentes alertas emitidos pelo TCESP. E, em tempos de pandemia, o TCESP também lançou um Painel Covid, que exibe todas as ações e gastos de cada município paulista e do governo do Estado de SP no combate ao coronavírus. Por fim, há ainda a lista de responsáveis por contas julgadas irregulares, disponibilizada por todas as Cortes de Contas do país. Essa lista tem o nome dos gestores públicos que tiveram parecer desfavorável na análise de suas contas anuais. Os Tribunais de Contas enviam essa lista para a justiça eleitoral, que pode julgar o responsável inelegível com base na lei da ficha limpa. Desta forma, as informações disponibilizadas pelas Cortes de Contas acabam sendo uma fonte rica e confiável sobre a saúde financeira dos municípios e também um retrato das atuais administrações, o que o pode ajudar o eleitor no momento de escolher seu candidato. É possível verificar os principais problemas da sua cidade e confrontar esses problemas com as propostas apresentadas pelo candidato e, assim, fazer uma escolha consciente.

De qualquer forma, o importante é pesquisar em fontes confiáveis e fazer suas escolhas por conta própria e não por um algoritmo. Verificar é a palavra-chave. Não tenha como única fonte de informação as redes sociais. Você pode ter a impressão que as pessoas não têm as mesmas informações que você e isso não é só uma impressão. É como as redes sociais funcionam: informações sob medida, de acordo com seu perfil e preferências.

*Fabio Correa Xavier, Diretor do Departamento de Tecnologia da Informação do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. Mestre em Ciência da Computação (USP). MBA em Gestão Estratégica de Negócios (IBMEC). Professor

Referências Bibliográficas

BRADSHAW, Samantha; HOWARD, Philip N.. The Global Disinformation Disorder: 2019 global inventory of organised social media manipulation. Oxford, 2019. Disponível em: https://comprop.oii.ox.ac.uk/wp-content/uploads/sites/93/2019/09/CyberTroop-Report19.pdf. Acesso em: 01 nov. 2020.

HAIDT, Jonathan; ROSE-STOCKWELL, Tobias. The Dark Psychology of Social Networks: why it feels like everything is going haywire. Why it feels like everything is going haywire. 2019. Disponível em: https://www.theatlantic.com/magazine/archive/2019/12/social-media-democracy/600763/. Acesso em: 01 nov. 2020.

LEWIS, Andy. If you are not paying for it, you’re not the customer; you’re the product being sold. 13 out. 2010. Twitter: @andlewis. Disponível em: https://twitter.com/andlewis/status/24380177712. Acesso em: 01 nov. 2020.

TAKEDA, Tatiana de O.. A missão constitucional dos Tribunais de Contas. 2010. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-82/a-missao-constitucional-dos-tribunais-de-contas/amp/. Acesso em: 01 nov. 2020.

THE NEW YORK TIMES: At Least 70 Countries Have Had Disinformation Campaigns, Study Finds. New York, 26 set. 2019. Disponível em: https://www.nytimes.com/2019/09/26/technology/government-disinformation-cyber-troops.html. Acesso em: 01 nov. 2020.

 

Fábio Correa Xavier