O Peso da Grande Competência dos Tribunais de Contas

Auditoria e Controle

Apontamentos do 1º Fórum Nacional de Auditoria do IRB – Edição Centro-Oeste

Se eu tivesse que escolher uma mensagem como a mais importante dentre as que foram emitidas durante o 1º Fórum Nacional de Auditoria – Edição Centro-Oeste, promovido pelo Instituto Rui Barbosa – IRB entre 4 e 5 de maço de 2020, seria esta: os Tribunais de Contas ganharam uma competência constitucional maior do que algumas vezes conseguem suportar e por isso precisam cada vez mais priorizar ações e atuar com inteligência.

Essa foi a tese defendida logo na primeira palestra do evento, ministrada pelo conselheiro Edilberto Pontes, do TCE-CE. Segundo Pontes, o diagnóstico difuso, existente na sociedade, de que as instituições públicas custam caro e prestam serviços insatisfatórios atinge também os Tribunais de Contas. Sendo assim, nossas Cortes deveriam realizar ações que produzem impacto positivo na vida do cidadão. Um exemplo de ação deste tipo seria a auditoria de desempenho, ou, como denominamos no Brasil, a auditoria operacional.

A questão é que as atribuições dos Tribunais estão determinadas pela Constituição Federal e isso exige que as Cortes mobilizem sua força de trabalho para julgar contas, analisar denúncias, realizar atos de registro de pessoal etc. Esse mandato constitucional, então, teria se tornado um grande peso, fazendo com que os Tribunais recebessem sempre uma demanda maior do que sua capacidade de entrega.

Para enfrentar este problema, Pontes destacou que alguns Tribunais, e até mesmo o Poder Judiciário, têm adotado uma “política de defesa”, isto é, implementar filtros para não atender a todas as demandas. Uma estratégia seria, por exemplo, o uso de matrizes de risco não apenas para seleção de unidades gestoras ou de objetos a serem auditados, mas também para contas a serem julgadas. O TCU, por exemplo, já teria adotado como prática não julgar todas as contas. Outros Tribunais estariam tentando seguir caminho semelhante, mas esse tipo de ação ainda seria muito controverso em muitos deles.

E qual seria o benefício de liberar parte da força de trabalho? Maior capacidade de focar as ações de fiscalização em auditorias de desempenho, que podem oferecer diagnósticos corretos para a solução de problemas e assim agregar maior valor público.

Auditorias de Desempenho

A auditoria de desempenho, ou operacional, foi o tema do Fórum. Segundo a ISSAI 300, trata-se do “exame independente, objetivo e confiável que analisa se empreendimentos, sistemas, operações, programas, atividades ou organizações do governo estão funcionando de acordo com os princípios de economicidade, eficiência e efetividade e se há espaço para aperfeiçoamento”.

Para obterem sucesso, é fundamental que as auditorias de desempenho tenham um bom planejamento: escopo bem delimitado, perguntas bem formuladas, riscos avaliados, prazos apropriadamente definidos, conhecimento do objeto e da entidade auditada e avaliação criteriosa da viabilidade da auditoria e de sua utilidade.
Comparou-se a auditoria de desempenho a uma dissertação acadêmica. Até por isso, a interação do Tribunal com especialistas seria fundamental, já que é impossível que as Cortes tenham especialistas em todas as áreas. Mas essa interação não pode se basear apenas na “camaradagem”. São necessários mecanismos para contratar e remunerar esses consultores.

Na execução das auditorias de desempenho, deve-se buscar evidências relevantes, suficientes e confiáveis. As constatações não podem representar a mera opinião da equipe. E essas evidências podem ser produzidas diretamente pelo auditor (ex.: exame físico e aplicação de questionários), fornecidas pelo auditado (ex.: documentos e bases de dados) ou obtidas junto a terceiros (ex.: estatísticas e papers).

Os relatórios devem ser objetivos, claros, completos, convincentes, relevantes, conclusivos e concisos. O relatório da auditoria de desempenho deve comunicar com um público amplo. É fundamental, por exemplo, um sumário executivo com as conclusões principais.

O conselheiro Pontes ainda destacou que as auditorias operacionais exigem um conhecimento muito mais especializado do que está presente na maior parte dos tribunais de contas brasileiros. Por isso, é importante treinar os auditores para essa tarefa, além de estabelecer mecanismos para aprofundar as pontes entre os Tribunais de Contas e com outras instituições, tais como os Centros Acadêmicos.

A auditoria de desempenho, que em muitos casos se confunde com a avaliação de políticas públicas, não teria como objetivo determinar ações por parte do poder público (não se trata de ação política), mas de emitir recomendações e sugerir melhorias. Seria o que se costuma denominar como soft control, algo comum, por exemplo, na prática do Tribunal de Contas da União Europeia e do Government Accountability Office (EUA), instituições que não têm competência para aplicar sansões. Novamente, a obrigação dos Tribunal de Contas brasileiros de “punir” foi apontada como um peso, uma tarefa maior do que às vezes podem dar conta.

Ainda assim, como resultado das auditorias de desempenho pode haver uma “punição reputacional”, quando o mau desempenho do gestor é evidenciado e este precisa responder perante a sociedade. Isto é, as auditorias de desempenho contribuem para a accountability e para a transparência, ao examinar se as decisões dos gestores são formuladas e implementadas de maneira eficiente e eficaz e se os cidadãos têm recebido em retorno o valor justo dos tributos pagos.

Pontes ainda destacou que é possível combinar auditorias de desempenho e de conformidade, desde que a equipe consiga delimitar bem o escopo de cada enfoque, já que elas possuem métodos e objetivos diferentes. É o que alguns Tribunais têm denominado como “auditoria integrada”.

Após o conselheiro Edilberto Pontes sensibilizar os presentes sobre a importância das auditorias de desempenho, coube ao conselheiro Inaldo da Paixão, do TCE-BA, apresentar o recém lançado Nível 3 das Normas Brasileiras de Auditoria do Setor Público – NBASP, em especial a NBASP 3000 – Norma para Auditoria Operacional. A norma estabelece os requisitos que devem ser seguidos para a realização deste tipo de trabalho.

 

Auditorias Operacionais em Tecnologia da Informação

Como caso prático de auditorias operacionais foram apresentados trabalhos realizados na área de fiscalização da Tecnologia da Informação. Em especial, pode-se destacar a auditoria da TCM-SP cujo objetivo foi verificar a efetividade das redes de computadores das escolas da Secretaria Municipal de Educação. Contando com 3 auditores de TI e 1 especializado na área de Educação, o trabalho estabeleceu 8 questões de auditoria, 2 das quais tinham caráter operacional. Dos cerca de 1430 links de Internet disponibilizados, foi selecionada uma amostra com 20, baseada no risco.

Além dos achados relativos ao aspecto da conformidade, como links contratados não disponibilizados, constatou-se, por exemplo, que em algumas escolas não havia wifi disponibilizado para os alunos, que a velocidade dos links não atendia o uso esperado e que a equipe da escola não tinha conhecimento do fluxo adequado do suporte quando algum problema ocorria.

 

Melhor Valor e Processo Estrutural

Importante destacar também a participação de dois palestrantes que podem ser considerados outsiders do sistema Tribunais de Contas, e que por isso mesmo enriqueceram o Fórum ao trazer outros olhares e perspectivas ao controle externo.

O primeiro foi o norte-americano Gerald Brown, professor, analista e consultor com vasta experiência internacional em auditoria operacional e efetividade na aplicação de verbas públicas, tendo inclusive liderado uma iniciativa de gestão de aquisições no Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Brown defendeu a importância da aplicação dos conceitos de Melhor Valor e Análise do Custo do Ciclo de Vida nos trabalhos de auditoria.

Análise de Custo de Ciclo de Vida tenta capturar todos os custos ligados a um ativo. Isto é, não bastaria apenas analisar o preço inicial, mas os custos de instalação, de manutenção, de reconstrução e de disposição (descarte). É preciso considerar o custo de operar um ativo durante toda o seu ciclo de vida. O objetivo então seria encontrar o Melhor Valor, e não apenas o menor valor de aquisição.

O segundo palestrante foi Edilson Vitorelli, Procurador da República e pesquisador na Harvard Law School. O tema da palestra do professor foram os desafios do Processo Estrutural, isto é, um litígio no qual se busca resolver não um problema pontual, mas reestruturar uma instituição pública, focando nas causas dos problemas, e não nos efeitos.

Vitorelli defendeu que o Processo Estrutural praticado pelo Ministério Público Federal guarda semelhança com as auditorias operacionais realizadas pelos Tribunais de Contas, no sentido em que ambos os trabalhos fomentam a avaliação e, se necessário, a reformulação de políticas públicas, construindo com o gestor um plano de trabalho que será alvo de acompanhamento no futuro.

Um exemplo citado foi a ação envolvendo o rompimento de barragens em Mariana e Brumadinho, na qual o MPF recomendou à Agência Nacional de Mineração que elaborasse um plano de reestruturação da atividade de fiscalização de barragens.

O professor Vitorelli trouxe à discussão a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – Lindb (Decreto-Lei Nº 4.657/1942, modificada recentemente pela Lei nº 13.665/2018) para justificar que esse tipo de atuação por parte dos órgãos de controle não configura interferência na esfera discricionária do gestor. Vitorelli defende que a Lindb incorporou as consequências práticas da decisão do gestor no âmbito do controle de legalidade do ato administrativo. Assim, a Lindb teria reduzido a esfera de discricionariedade administrativa do gestor e isso deve ser levado em consideração pelo controle.

 

Conclusão

Todas as palestras e mesas redondas do 1º Fórum Nacional de Auditoria – Edição Centro-Oeste podem ser visualizadas no canal do IRB no YouTube. Este relato teve como objetivo tão somente compartilhar com os colegas alguns dos principais assuntos tratados durante o evento. São questões que nos instigam a pensar o aprimoramento de nossos trabalhos no âmbito do controle externo.

As próximas edições do Fórum no ano de 2020 vão ocorrer de 20 a 21 de Maio no TCE-MG, tendo como tema a Auditoria Financeira (NBASP 100 e NBASP 200), de 9 a 10 de Julho no TCE-RN, com tema Avaliação de Políticas Públicas e Contas de Governo (NBASP 100 e NBASP 9020), de 10 a 11 de Setembro no TCE-AP, cujo tema será o Plano Anual de Fiscalização (NBASP nível 1 e NBASP nível 2) e de 3 a 4 de Dezembro no TCE-RS, onde será abordada a Atividade Jurisdicional dos Tribunais de Contas (NBASP nível 1 e NBASP P50).


Bruno F. Faé
Auditor de Controle Externo do TCE-ES desde 2013. Bacharel em Ciência da Computação e Mestre em Sociologia Política. Coordenador do Núcleo de Controle Externo de Avaliação e Monitoramento de Outras Políticas Públicas Sociais – SEGEX/SecexSocial/NOPP.

Bruno Faé