Marcos Nóbrega*
Bradson Camelo**
O prêmio Nobel de Economia de 2020 foi concedido a dois professores da Universidade de Stanford, Paul Milgrom e Robert Wilson. Ambos possuem longa e frutífera carreira escrevendo e dando aulas sobre um tema comum: teoria dos leilões. Em outros termos, Milgrom e Wilson ganharam o prêmio porque estudaram licitações, ou melhor, como formatar o melhor modelo de licitação para maximizar a eficiência das compras públicas.
A teoria dos leilões é um tipo especial de relação de mercado que envolve desde compras feitas em portais de vendas até licitações. Como o vendedor (ou o comprador, no caso das licitações) podem maximizar seus resultados? Essa pergunta é elemento central na pesquisa de Milgrom e Wilson.
É curioso perceber, no entanto, que antes deles outros ganharam o Nobel pesquisando temas semelhantes e relacionados com licitações e contratos, como Ronald Coase (1991), Douglas North (1993), John Nash (1994), James Mirless e Willian Vickey (1996), George Akerlof, Michael Spence e Joseph Stiglitz (2001), Thomas Schelling (2005), Roger Myerson (2007), Elinor Ostrom e Oliver Willianson (2009), Alvin Roth (2012), Jean Tirole (2014) e Oliver Hart (2016).
O Nobel de 2020 foi conferido em decorrência dos trabalhos sobre Market Design em licitações (actions), definição de preços (pricing), negociação e outros tópicos relacionados a organização industrial e teoria da informação. O trabalho teórico dos autores tem contribuído para o aprimoramento de licitações na área de telecomunicações, petróleo, energia elétrica e até venda de títulos públicos.
Só para ilustrar a importância prática dos estudos dos vencedores do Nobel deste ano, a eles é creditado uma revolução na maneira que são estabelecidas as licitações para concessão de radiofrequência, contribuindo para remodelar a indústria de telecomunicações. Tais proposições de Market Design foram utilizadas para a alocação de mais de 100 bilhões de dólares no setor de telecomunicações desde então.
Conforme se vê (e ratificado pelo Nobel de Wilson e Milgrom), há um intenso debate e uma pesquisa séria sobre como aprimorar as regras de licitação para melhorar a eficiência dos gastos públicos. Eles estudam como são as melhores formas de lidar com as informações imperfeitas, com as formas de lances, para que se tenha mais eficiência nas transações.
A teoria do desenho de mecanismo é conhecida como teoria dos jogos reversa e trata de examinar os mecanismos para se atingir o melhor resultado. No caso do jogo da licitação – um jogo onde se pretende maximizar os interesses da Administração pela escolha da proposta mais vantajosa – o Estado deve criar as regras para fazer com que os licitantes divulguem suas informações sobre o produto e sobre o preço.
A literatura sobre licitações no Brasil questiona apenas a conformidade das ações dos agentes envolvidos com as regras pré-estabelecidas. É necessário ir mais além, discutindo por que essas regras são dessa forma e qual o sentido e o caminho de aperfeiçoá-las.
O modelo de licitações que temos no Brasil é e ciente? Quais as respostas que a teoria da modelagem de incentivos pode nos dar a respeito?
A teoria econômica clássica apenas responde indagações de como alocar mais eficientemente os recursos escassos baseadas na ideia de informação perfeita e ausência de custos de transação. Logo, o equilíbrio neoclássico é um nirvana teórico porque a vida real teima em refutá-lo e torná-lo inatingível.
É necessário considerar então um deslocamento de perspectiva. A busca da eficiência não deve mirar somente a alocação dos recursos mas também considerar os incentivos envolvidos. A licitação estabelecida pela lei 8666/93 e sua legislação consentânea (lei das concessões, PPP e RDC) estabelecem um “pacote” de incentivos que atingem um equilíbrio, mas não é o melhor deles.
A grande importância do desenho de mecanismo em licitações, como zeram Wilson e Milgrom, é encontrar formas que façam que os jogadores não tenham incentivos para mentir sobre os seus verdadeiros tipos.
Em alguns sistemas licitatórios é possível estabelecer regras de lances abertos ou fechados. Isso nada mais é que deixar para o órgão a possibilidade de desenhar seu mecanismo de acordo com as contratualizações almejadas. O problema é se os operadores do direito brasileiro estão preparados para lidar com essas ferramentas.
As mudanças na legislação de licitações no Brasil partem do míope receituário clássico de que temos informação simétrica, ausência de custos de transação e simetria informacional. Envelopam todos esses parâmetros arcaicos sob o manto do fetiche do menor preço e com grandes doses de burocracia e irracionalidade. Para onde iremos então? Iremos para mais burocracia , ineficiência e frustração. Precisamos estudar mais, dialogar mais com outras ciências e aprender com as coisas estão sendo discutidas em outros países.
O debate sobre reforma em licitações no Brasil é pobre e reproduz um modelo incapaz de observar os incentivos reais dos agentes em determinada transação. Há muito, a ciência econômica alertou que economia não é sobre dinheiro (ou preço) mas sobre incentivos. Se ficarmos olhando somente o preço, agiremos como o zagueiro que marca a bola e não o atacante. Levaremos um gol pelas costas.
Precisamos avançar na teoria dos leilões, na teoria dos jogos e no desenho de mecanismos para que saibamos quais instituições usar.
Os operadores do direito precisam saber elaborar a licitação mais vantajosa (isso vai variar com os elementos envolvidos), assim como no controle externo também é necessária essa visão.
Hely Lopes e sua geração não tiveram condições de entender isso, mas hoje temos acesso a informação e inúmeros juristas de talento capazes de descortinar e pensar sobre esses imensos desafios. O caminho, no entanto, é longo e requer debate sério e desapaixonado. Temo afirmar que se os saudosos de Hely Lopes Meirelles não concordarem com essas premissas, continuaremos sendo a vanguarda do atraso no debate de licitações e contratos.
*MARCOS NÓBREGA – Professor Adjunto IV da UFPE – Faculdade de Direito do Recife. Visiting Scholar Massachusett Institute of Technology – MIT , Conselheiro Substituto do TCE – PE.
**BRADSON CAMELO – Procurador do Ministério Público de Contas da Paraíba, bacharel em Direito, economista e mestrando em Economia em Chicago.