Em um dos momentos mais relevantes do 3º Encontro Nacional de Auditoria Financeira dos Tribunais de Contas do Brasil (ENAF-TC), os caminhos, aprendizados e obstáculos para a consolidação da Auditoria Financeira no país foram debatidos por representantes de três Tribunais de Contas que vêm se destacando nessa frente. A mesa, realizada nessa segunda-feira (7/7), em Salvador-BA, teve como tema “Institucionalização da Auditoria Financeira no âmbito dos Tribunais de Contas Brasileiros: experiências e soluções encontradas” e contou com a participação das Cortes de Contas dos Estados do Rio de Janeiro (TCE-RJ, de Pernambuco (TCE-PE) e do Rio Grande do Sul (TCE-RS). A mediação foi conduzida por Antônio Carvalho, Auditor Federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (TCU).
Apesar de ainda recente no Brasil, com os primeiros trabalhos estruturados realizados pelo Tribunal de Contas da União em 2015, a auditoria financeira vem conquistando espaço entre as Cortes de Contas estaduais, embora de forma desigual. O debate expôs justamente essa diversidade de estágios e reforçou a necessidade de superar resistências internas, qualificar servidores e adotar práticas alinhadas a padrões internacionais.
Pernambuco: a coragem de sair da zona de conforto
O Auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE), Marcelo Xavier, ressaltou a iniciativa da Corte de Contas ao se voluntariar para iniciar esse tipo de fiscalização, mesmo partindo do zero. Com experiência recente, iniciada em 2023, o TCE-PE tem enfrentado o desafio de implantar uma nova abordagem de Controle Externo com uma equipe disposta a romper paradigmas. “Nós não fomos escolhidos. Nós nos escolhemos. Foi uma decisão do corpo técnico de sair da zona de conforto. A própria sociedade às vezes nem entende bem o que faz um Tribunal de Contas e agora estamos propondo um trabalho com base em metodologias internacionais”, disse.
Xavier enfatizou que, além da capacitação técnica, o avanço da Auditoria Financeira depende de uma transformação institucional mais ampla, com apoio dos Conselheiros e da alta administração. “Metade dos Tribunais de Contas ainda não realiza Auditoria Financeira. Isso depende da capacidade institucional de cada órgão, não apenas do corpo técnico, mas também da sensibilização da Corte como um todo”.
Com olhar voltado ao futuro, ele também destacou o papel da tecnologia e da inovação na evolução da área. “Estamos num momento em que se fala muito de inteligência artificial, de análise de dados. A gente precisa não só abraçar essas novas tecnologias, mas também comprar a briga para abrir caminho. As coisas não vão cair no nosso colo, vamos ter que abrir mata adentro”.
Rio Grande do Sul: estratégia para consolidar a prática
A Auditora de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE-RS), Juliana Bortoluzzi, apresentou a trajetória da Corte de Contas gaúcha, que passou a desenvolver Auditorias Financeiras com mais estrutura a partir de 2023, adotando um cronograma regular, com apoio externo e planejamento estratégico. “Nosso ciclo começa em julho, com análise concomitante, e termina em maio do ano seguinte. O que for corrigido durante o processo não vai para o relatório final. Só permanecem as pendências não solucionadas a tempo”.
O fortalecimento da prática no TCE-RS passou por medidas como a contratação de um consultor especializado, que acompanhou todas as fases da primeira auditoria e ofereceu suporte técnico à equipe. Essa atuação resultou em maior engajamento e desenvolvimento interno, mesmo ainda em fase de alinhamento às normas internacionais. “Temos um projeto com três eixos: formalização do processo, revisão de normativos e capacitação contínua. E optamos por não criar um processo autônomo de julgamento, mas sim incorporar os achados diretamente às contas do gestor”.
Juliana também sublinhou a importância do diálogo com outras instituições para o fortalecimento das próprias práticas. “Visitamos outros Tribunais, buscamos entender como eles fazem auditoria e aprendemos muito. A nossa expectativa hoje é justamente essa: absorver mais conhecimento e voltar com ideias que qualifiquem ainda mais nosso trabalho”, concluiu.
Rio de Janeiro: consolidação e impacto prático
Com atuação desde 2019, o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) foi representado por Adriana Passos Valença, que compartilhou os avanços obtidos pela corte fluminense ao longo de 14 auditorias realizadas. Com uma estrutura consolidada e uma coordenadoria específica para o tema, o Tribunal tem se tornado referência na aplicação dessa modalidade de fiscalização. “Já realizamos 14 Auditorias Financeiras e estamos num caminho progressivo. Cada nova auditoria é uma oportunidade de aprimoramento”.
Segundo Adriana, o TCE-RJ investiu na construção de uma metodologia própria, hoje baseada no manual da IDI, e tem mantido um compromisso firme com a capacitação das equipes, por meio de cursos, intercâmbios e parcerias com organismos como a Intosai e a ONU. “Buscamos forte aderência às normas. Também investimos continuamente na formação do corpo técnico e no fortalecimento da atuação conjunta com o controle interno”.
Ela destacou ainda a importância de aproximar o trabalho dos auditores do corpo deliberativo, promovendo um ambiente institucional favorável à consolidação da Auditoria Financeira. “São três pontos fundamentais: engajamento interno, patrocínio institucional e aprimoramento metodológico. Sem isso, não há como avançar”.
Entre os resultados práticos, Adriana citou pareceres com distensão de opinião no Balanço Geral do Estado, com repercussões reais sobre a gestão pública fluminense. E concluiu reforçando a importância de dar visibilidade ao trabalho técnico. “Precisamos de equipes dedicadas e capacitadas, e do apoio da alta gestão para escalar e dar continuidade ao que estamos construindo. A Auditoria Financeira precisa ser compreendida e valorizada como instrumento estratégico”.
Os participantes da mesa evidenciaram que, embora em ritmos distintos, os Tribunais compartilham objetivos comuns: formar quadros técnicos preparados, padronizar procedimentos, integrar áreas e explorar o potencial das novas tecnologias. Mais do que relatar experiências, o encontro reafirmou o papel da Auditoria Financeira como ferramenta indispensável para fortalecer a transparência, aprimorar a governança e qualificar o controle sobre a gestão pública no Brasil.
ENAF-TC
O 3º Encontro Nacional de Auditoria Financeira dos Tribunais de Contas do Brasil (ENAF-TC), promovido pelo Instituto Rui Barbosa (IRB), Tribunal de Contas do Estado da Bahia (TCE-BA) e Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia (TCM-BA), será realizado nos dias 7 e 8 de julho de 2025, na sede do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ-BA), em Salvador-BA.
Com o tema central “O presente e o futuro da Auditoria Financeira nos Tribunais de Contas do Brasil”, o evento tem como objetivo aprofundar discussões sobre a institucionalização do processo de Auditoria Financeira nos Tribunais de Contas. A programação contará com painéis e debates que abordarão cases de sucesso na aplicação de técnicas de Auditoria, bem como as tendências nacionais e internacionais, incluindo aspectos processuais e mudanças nos critérios de análise baseados nas IPSAS, convergidas no Brasil pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC).
O ENAF-TC conta o patrocínio da Companhia de Gás da Bahia (BahiaGás) e da Agência de Fomento do Estado da Bahia S.A. (Desenbahia) e o apoio institucional do Banco Mundial, Conselho Federal de Contabilidade (CFC), Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), Conselho Nacional de Presidentes dos Tribunais de Contas (CNPTC) e Associação Brasileira dos Tribunais de Contas dos Municípios (Abracom).
*C0m informações e fotos do TCE-BA.