“Se chegamos a 2013 com 11 milhões de analfabetos, mais da metade das crianças no fundamental sem aprenderem o mínimo em português e matemática, com baixíssima cobertura vacinal e com a falta de 2 milhões de vagas em creches para atender 50% da carência existente, se tudo isso acontece, é porque um conjunto de omissões ocorreu até aqui. Envolve gestores públicos, parlamentares. Não somos determinantes nisso, mas os Tribunais de Contas têm reponsabilidade nisso também.”
A afirmação do presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), conselheiro Cezar Miola (TCE/RS), ocorreu no painel “A Primeira Infância nas Políticas Públicas e desigualdade”, que teve a mediação do conselheiro Wilson Wan-Dall (TCE/SC) e que fez parte da programação do 2º Seminário Nacional A Primeira Infância e os Tribunais de Contas, realizado em Florianópolis.
Na palestra intitulada “A Avaliação de Políticas Públicas na Primeira Infância – como os Tribunais de Contas podem fazer”, Miola lembrou que os Tribunais de Contas têm trabalhado pelo direito fundamental à educação e fez uma apresentação do que está previsto no Marco Legal da Primeira Infância, ressaltando que as Cortes de Contas são fundamentais para avaliar se os entes observados estão cumprindo a Constitucional.
“O sucesso desse modelo depende da nossa investidura na análise das políticas públicas. Temos que ter presente se as nossas preocupações e orientações são seguidas por administradores e gestores. Devemos ser assim, na atuação pedagógica, mas a nossa preocupação deve ter ressonância”, afirmou.
Sistema de Justiça
“A criança e o adolescente foram colocados em um patamar de prioridade absoluta na Constituição e no Estatuto da Criança e Adolescente. Isso não ocorreu à toa. Quando os casos deles chegam ao Judiciário, é porque a criança vulnerável já passou por uma série de abandonos de maneira extrema. Passou pelo Executivo, pelos programas sociais, até pelos Tribunais de Contas. E quando chega ao Judiciário, é porque todas as políticas públicas não funcionaram”, disse Noeli Reback, juíza do Tribunal de Justiça do Paraná e presidente do Colégio de Coordenadorias da Infância e Juventude dos Tribunais de Justiça do Brasil.
Na palestra “Prioridade absoluta: a necessidade de se investir na primeira infância”, Noeli destacou que cada dólar investido em políticas públicas de primeira infância resulta em um retorno entre US$ 7 e US$ 10 em ações de políticas compensatórias de atendimento, diagnósticos, tratamentos e reabilitação em fases posteriores de desenvolvimento. “Sem falar que é a melhor maneira para a interrupção do ciclo da pobreza, a redução da desigualdade social e da violência. Se formos olhar apenas para números e planilhas, quando se investe no bem-estar da criança, está se assegurando economia do dinheiro público”, concluiu.
Desigualdades
O coordenador do Comitê Técnico da Primeira Infância do Instituto Rui Barbosa (IRB), o médico Halim Antônio Girade, destacou, em sua palestra “A Primeira Infância e desigualdades”, números que revelam a desconfortável situação do Brasil de acordo com o Laboratório de Desigualdades Mundial e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE):
– Os 50% mais pobres ganham 29 vezes menos do que os 10% mais ricos. A título de comparação, na França essa proporção é de sete vezes;
– Há 62,5 milhões de pobres no país;
– Há 17,9 milhões de extremamente pobres no país;
– Em 2021, 46,2% das crianças até 14 anos estavam abaixo da linha da pobreza. No ano anterior, esse percentual era de 38,6%;
– Pretos e pardos (37,7%) são mais pobres do que brancos (18,6%).
“A desigualdade é o grande monstro que tem levado o país a esses indicadores”, disse o integrante do IRB. Ele revelou estudos que relacionam essa condição à obesidade, problemas de saúde mental, mau desempenho na escola, salário menor, doenças cardíacas, problemas imunológicos, câncer, diabetes, mais tempo sem trabalho, abuso de drogas e a mais prisões.
Na avaliação de Girade, os Tribunais de Contas podem fazer a diferença: “Os TCs têm instrumentos para ajudar a combater essa desigualdade a partir da avaliação da relação de orçamentos com as políticas públicas relevantes, da avaliação da utilidade e da relevância dessas ações, na medição do desempenho e na apresentação de resultados”.