O uso de máquinas, eletrônicos, e da internet já é onipresente nas ações mais corriqueiras da rotina da maioria das pessoas. Isso gera um volume massivo de dados, que podem analisados, interpretados e aplicados nos mais diversos âmbitos. A ciência de dados moderna, que surge a partir desse cenário, já causou grandes transformações nos segmentos de varejo, telecomunicações, saúde, transporte e até na área jurídica.
Entretanto, engana-se quem pensa que a ciência de dados é restrita ao setor privado. O uso de dados há tempos vem sendo incorporados pelos órgãos públicos em benefício da sociedade, tendência essa que não demonstra sinal de desaceleração.
A ciência de dados (ou Data Science) passou a ser vista, a partir de tantas transformações, como poderoso ativo estratégico. O governo, como detentor de uma massa gigantesca de dados, possui em sua disposição a articulação da ciência de dados como forma de impulsionar políticas públicas e também aprimorar o atendimento do cidadão, fazendo isso de acordo com a legislação e de forma estratégica.
O uso eficiente dos dados à disposição nos Tribunais de Contas é assunto frequente nas entidades do Controle Externo, e configura-se como importante elemento no que diz respeito ao futuro da atuação dos Tribunais de Contas.
Diretrizes para o futuro dos Tribunais de Contas
O Sistema Tribunal de Contas, assim como todo o setor público, possui diversos desafios e oportunidades no uso e análise de dados, a fim de continuar agregando valor à sociedade que se encontra cada vez mais automatizada.
Diante dos avanços tecnológicos, os desafios atuais se concentram em lidar com grande volume de dados (com tendência a aumentar exponencialmente) de grande complexidade, e ao mesmo tempo garantir a segurança e privacidade dos mesmos (LGDP). Já as oportunidades estão na transformação de informação em conhecimento, para melhor responder os anseios dos cidadãos.
Em três grandes documentos das entidades de Controle, a declaração de Moscou, a Carta de Foz e a Carta do VII ENTC, que delineiam diretrizes para o futuro da atuação, tais pontos são destacados.
Conforme coloca a Declaração de Moscou (2019):
- As EFS são encorajadas a formar os auditores do futuro capazes de: trabalhar com análise de dados, ferramentas de inteligência artificial e avançados métodos de análise qualitativa; reforçar a capacidade de inovação; atuar como parceiros estratégicos; compartilhar conhecimento e gerar previsões.
- O uso de análise de dados nas EFS é uma inovação necessária, que transforma os dados em uma fonte de recursos para a promoção da eficiência, prestação de contas, eficácia e transparência da administração pública.
No que diz respeito a massa de dados à disposição das entidades de Controle, a declaração prossegue:
- A posição singular das EFS dentro do setor público permite-lhes captar uma grande quantidade de dados das entidades fiscalizadas. O emprego de técnicas de análise de “big data” ao longo do processo de fiscalização permite às E.F.S:
- Sintetizar dados obtidos de diferentes departamentos, setores, níveis de governo e regiões, o que permite a síntese dos dados obtidos para encontrar soluções para problemas do governo com um todo.
- Combinar abordagens de coleta de dados (captação própria, externa, ambas) para prover uma atualização regular dos dados e permitir um acompanhamento em tempo real de problemas críticos ou de áreas de maior risco.
Por sua vez, a Carta de Foz do Iguaçu (2019) coloca:
- 9. Construir bases de dados adequadas às suas necessidades de fiscalização. Deve-se, por um lado, evitar a coleta de dados como um fim em si mesmo e, por outro, buscar a construção de bases estruturadas, integradas e sistêmicas, pensadas a partir de objetivos de fiscalização previamente estabelecidos.
- 10. Automatizar análises e processos simples e repetitivos, na medida do possível, realocando a força de trabalho para atividades mais analíticas. Isso demandará programas de capacitação dos servidores dos Tribunais de Contas neste campo de conhecimento, especialmente na análise de dados.
A recém publicada Carta do VII ENTC, de 2020, que considera os desafios impostos pela pandemia e pelas incertezas do futuro pós-pandêmico às atividades dos Tribunais de Contas, também orienta:
- Diretriz 19: Investir na capacitação e formação continuada dos membros e servidores, para tornar a instituição apta a enfrentar os desafios correntes e futuros. A Declaração de Moscou e o Quadro Nacional de Competências Profissionais trazem diretrizes específicas para este tópico, como a necessidade de formar o “Auditor do Futuro”, com as competências relacionadas ao desenvolvimento de uma mentalidade estratégica, de análise de dados e habilidade sociais.
Assim está pautada e importância do domínio dos processos de análise de dados nas entidades fiscalizatórias, como forma de subsidiar a melhor tomada de decisão. Abaixo constam alguns dos trabalhos e iniciativas dos Tribunais de Contas aliados com tais entendimentos.
Uso de Robôs nos TCs
Muitos Tribunais de Contas do Brasil já adotam ferramentas de tecnologia, como robôs, a fim de aprimorar suas funções e serviço ao público. Alguns exemplos (como robôs de auditoria, de análise de licitações e editais, monitoramento, cruzamento de informações e chatbots) já foram abordados na matéria do IRB, disponível abaixo:
Na presente matéria, foram selecionadas outras iniciativas não abordadas previamente. Entre elas, o software que acompanha informações de gestores ao Siconfi (TCE-MA); o Painel de Acompanhamento Previdenciário (TCE-PB), que calcula e compara as rubricas previdenciárias devidas pelos municípios ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS); o módulo de comunicação de registros ARIEL (TCM-SP), que emite mensagem que indica possibilidade de infração à legislação nas regras de elaboração de editais de licitação; e a premiada Política de Fiscalização Integrada Suricato (TCE-MG).
“Robô Érica” do TCE-MA acompanha informações de gestores do Siconfi
O robô “Érica”, aprovada em outubro desse ano, se trata de uma aplicação de software para simular ações humanas de controle e fiscalização, repetidas vezes, de maneira padrão e automatizada, com vistas à emissão de relatórios, informações, certidões e alertas. Com as primeiras letras de cada ação temos:
E mite
R elatórios
I nformações
C ertidão
A lertas
Com o uso desta aplicação de software, em até 60h após o envio de declarações ao Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi), mantido pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN), o TCE/MA toma ciência das remessas de declarações homologadas e retificadas, atualiza sua base de dados local e processa as informações visando à execução das ações programadas, sendo a primeira delas a emissão do relatório circunstanciado.
Com a otimização desta ação, e em sintonia com as diretrizes futuras para a auditoria do setor público, estabelecidas na Declaração de Moscou editada pela Organização Internacional das Entidades Fiscalizadoras Superiores (Intosai), em setembro de 2019, o TCE/MA visa responder de forma eficaz às oportunidades decorrentes dos avanços tecnológicos e promover a cultura da disponibilização e abertura dos dados, código-fonte e algoritmos.
Painel de Acompanhamento Previdenciário do TCE-PB
Desenvolvido em parceria com a Receita Federal, o painel de recolhimentos previdenciários calcula, compara e acompanha as as rubricas previdenciárias devidas pelos municípios ao Regime Geral de Previdência Social – RGPS.
O Painel, ao automatizar antigas auditorias realizadas manualmente, reduz drasticamente o tempo de busca dos dados previdenciários e consegue, assim, fornecer aos gestores informações gerenciais ordenadas, rápidas e comparativas dos valores arrecadados e repassados. O sistema, ao evitar o trabalho dedicado ao levantamento constante de dados previdenciários, traz mais agilidade, eficiência e efetividade no trabalho de fiscalização.
Além disso, o TCE-PB possui outros painéis, que utilizam cruzamento de dados afim de disponibilizar informações ao público e fomentar o Controle Social. Entre eles, o painel de Combustíveis, Medicamentos e Preços Públicos, Licitantes 100% perdedores, acumulação de vínculos públicos, obras, e mais.
Robô ARIEL do TCM-SP comunica possíveis infrações em editais de licitação e contratações
Regulamentado em agosto pelo TCM-SP, o módulo de comunicação ARIEL emite mensagem que indica possibilidade de infração à legislação nas regras de elaboração de editais de licitação e celebração de contratações ou de que tenham sido adotadas práticas que prejudicam o acesso à informação pelos órgãos de controle e pela população. Os órgãos e entes jurisdicionados serão comunicados de que o TCMSP passará a realizar a leitura automática dos editais.
De acordo com a Resolução, a ferramenta tem como um dos seus objetivos, de natureza preventiva, incentivar os órgãos jurisdicionados a adotarem melhores práticas e a fazerem melhor uso dos sistemas disponíveis para a elaboração de editais e contratações aderentes à legislação vigente.
Com o objetivo de natureza fiscalizatória, os comunicados emitidos pelo ARIEL deverão ser considerados no planejamento e na realização das fiscalizações relativas aos objetos a que se referem, observados, entre outros critérios, o percentual e a natureza das infrações cometidas por cada ente ou órgão.
Confira o anexo com a íntegra da Resolução 11.2020 aqui.
Projeto Suricato do TCE-MG
Reconhecido nacionalmente e internacionalmente, a ferramenta da Política de Fiscalização Integrada é um grande exemplo de inovação nos Tribunais de Contas.
Ferramenta “Suricato” do TCE-MG é considerada “melhor detetive” do mundo por site espanhol
O Projeto Suricato, idealizado pelo Conselheiro Sebastião Helvécio e pela servidora Raquel de Oliveira Miranda Simões, é a institucionalização de uma política de fiscalização integrada voltada para melhor aproveitamento dos dados e das informações disponíveis no Tribunal e em fontes externas, para incremento da ação de controle, respondendo às demandas e às ofertas atuais no que se refere às novas tecnologias de informação e de comunicação.
A principal ferramenta a ser utilizada pela fiscalização integrada são as malhas eletrônicas de fiscalização, que possibilitarão o cruzamento de dados dos sistemas informacionais do Tribunal com os sistemas de organizações parceiras, bem como o intercâmbio de outras informações úteis à fiscalização.
O desenvolvimento de conceito inovador no âmbito do controle externo, a partir da utilização de ferramentas e metodologias de big data; a seleção dos jurisdicionados, conforme o enquadramento destes nas regras definidas pelo Suricato, de forma assertiva; e a obtenção dos documentos fiscais probantes na fase inicial permitiram a instrução mais célere dos processos.
A potencialização do uso dos dados armazenados pelo TCEMG e a realização de cruzamentos desses dados entre diversas fontes, possibilitando a produção de informações estratégicas, o que contribuiu para promover a mudança no paradigma do controle, na medida em que as informações e o conhecimento produzidos a serviço da área finalística do Tribunal resultaram em ações oportunas, assertivas e contemporânea aos atos fiscalizados.
IRB promove o uso de dados nos Tribunais de Contas Brasileiros
Como a “Casa de Conhecimento dos Tribunais de Contas”, o IRB também dispõe esforços no desenvolvimento e fortalecimento das práticas de usos de dados.
Além da Rede Infocontas (Rede Nacional de Informações Estratégicas para o Controle Externo), se destacam as ações do Comitê Técnico de TI, criado com o objetivo de reforçar o papel estratégico da Tecnologia da Informação para o efetivo exercício do Controle Externo, no que diz respeito as áreas de Tecnologia da Informação, especialmente Análise de Dados, Governança e Compliance, Segurança da Informação e Tecnologias inovadoras;
Acordo de Cooperação IEA-USP/IRB/ATRICON
O IRB também avançou em novos Acordos de Cooperação, que estabelecem o trabalho conjunto e intercâmbio de informações com outras entidades. Mais recentemente, o IRB celebrou a definição de um plano de trabalho do acordo entre o IEA-USP/IRB/ATRICON, intitulado “Tecnologias em Tribunais de Contas induzindo eficiência e resiliência em cidades contemporâneas”.
Os pesquisadores do grupo “Resiliência Financeira em Cidades Contemporâneas”, da IEA/USP se dedicam a analisar como cidades contemporâneas são ameaçadas em termos fiscais na execução de políticas públicas e entrega de serviços, seja quando passam por crises ou choques externos, seja por fatores internos que podem desencadear crises. Na dinâmica de monitoramento das cidades, a equipe já tem se dedicado a entender como os Tribunais de Contas podem contribuir com o desenvolvimento de governos locais no Brasil.
O projeto fará um mapeamento da interação entre sistemas eletrônicos, práticas de auditoria, dados e recursos humanos, em duas frentes, (i) de sistemas e escopo de dados disponíveis já coletados pelos sistemas dos Tribunais de Contas, e (ii) das práticas de auditoria de políticas públicas e índices e métricas utilizadas nesta avaliação.
Capacitações na área
O Portal IRB Conhecimento, plataforma para divulgação das ações de capacitação das Escolas de Contas dos Tribunais de Contas do Brasil e das Escolas de Governos e Instituições convidadas, divulga frequentemente iniciativas de capacitação na área, em 3 temáticas: Dados, Informação e Conhecimento, Inovação e Tecnologia da informação.
Um exemplo é a capacitação promovida pela Escola de Contas do TCE-PE que abordou o uso de dados, disponível abaixo:
Descubra as mais de 600 capacitações disponíveis acessando o link.