IRB Território

IRB TERRITÓRIO – Fiscalização da Agenda 2030

Equipe Instituto Rui Barbosa

Os Tribunais de Contas e a fiscalização da Agenda 2030 – por onde começar?

Ensaio de Nelson Nei Granato Neto, gerente de Políticas Públicas do IRB e Analista de Controle Externo do TCEPR)

 

1. Introdução – Você sabe o que é “desenvolvimento sustentável”?

Você já deve ter visto inúmeras definições para este conceito, e muitas delas o abordam de um modo individual e simplista. É quase um senso comum a ideia de que podemos contribuir para um mundo sustentável reciclando o lixo doméstico, por exemplo. Existe até um nome para esse tipo de abordagem: “rainbow washing”, que poderia ser traduzido como “pintando o arco-íris”, como naqueles comerciais de margarina onde todos são felizes.

As ações individuais até contribuem para a solução de um problema social, mas não são suficientes. Para enfrentar problemas sociais complexos em escala global são necessárias ações estatais. No Brasil, se há ação do setor público, há o controle externo dos Tribunais de Contas.

Deste modo, este ensaio aborda um tema muito debatido e que causa uma certa ansiedade: a fiscalização dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Para isso, nas próximas seções serão analisados os seguintes assuntos: o que é Agenda 2030 (seção 2), quais são as diretrizes aplicáveis à sua fiscalização (seção 3) e que caminhos os Tribunais de Contas podem trilhar nesse sentido (seção 4). Com isso, pretende-se trazer algumas reflexões para a comunidade do controle externo brasileiro sobre este tema de grande relevância social e com potencial de agregar valor ao seu trabalho.

2. O que é a Agenda 2030

A Agenda 2030 é um compromisso internacional assumido pelos países integrantes da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2015, que listou uma série de metas a ser atingidas ao longo dos quinze anos seguintes. Essas metas estão agrupadas em 17 Objetivos do Desenvolvimentos Sustentável (ODS) que podem ser articulados em quatro grandes eixos:

  • Desenvolvimento social (ODS 1 a 7): objetivos que buscam garantir que a sociedade como um todo tenha acesso aos meios de sobrevivência necessários e a serviços públicos de qualidade;
  • Desenvolvimento econômico (ODS 8 a 12): objetivos que buscam garantir que a sociedade como um todo tenha sua parcela da prosperidade econômica;
  • Proteção do meio ambiente (ODS 13 a 15): objetivos que buscam garantir que as próximas gerações possam usufruir do desenvolvimento socioeconômico;
  • Fortalecimento institucional (ODS 16 e 17): objetivos que buscam construir instituições nacionais democráticas e mecanismos internacionais comprometidos com o desenvolvimento sustentável em todo o mundo.

A lista dos ODS encontra-se ao final deste ensaio.

Percebe-se que a noção de desenvolvimento sustentável presume uma interconexão entre os 17 ODS: uma sociedade justa pressupõe uma economia próspera, que pressupõem uma preservação ambiental que as garantam para as próximas gerações, tudo isso sob um ambiente institucional democrático. Ou seja, o desenvolvimento socioeconômico e a proteção do meio ambiente, bem como a democracia, são problemas a serem enfrentados e objetivos a serem alcançados simultaneamente, e não um em detrimento do outro.

Há, ainda, um princípio transversal a todos os ODS sintetizado no parágrafo 4 da exposição de motivos da Agenda 2030:

4. Ao embarcarmos nesta grande jornada coletiva, comprometemo-nos que ninguém será deixado para trás. Reconhecendo a dignidade da pessoa humana como fundamental, desejamos ver os Objetivos e metas cumpridos em todas as nações e povos e em todos os segmentos da sociedade. E faremos o possível para resgatar, em primeiro lugar, os que ficaram mais para trás. 

O lema “ninguém será deixado para trás” mostra que esta agenda de direitos sociais, econômicos, ambientais e políticos está comprometida com a garantia da equidade e da redução das desigualdades, sem quaisquer formas de discriminação.

Os objetivos e os princípios da Agenda 2030 não são novidades para o Brasil: a Constituição Federal de 1988 garante aos cidadãos brasileiros o acesso a todos os direitos previstos nos ODS. Além disso, o seu artigo 3º coloca a busca pela equidade, a redução das desigualdades e o combate a todas as formas de discriminação como um objetivo fundamental da República.

O meio de alcançar os ODS é a implementação, continuidade e reforço de políticas públicas orientadas para alcançar as metas previstas na Agenda 2030. Os governos de cada país e de cada região têm a missão de observar as suas responsabilidades constitucionais e orientar as políticas públicas sob a sua competência para os ODS.

Vários são os caminhos possíveis de se atingir estas metas. Quem escolhe o caminho a ser seguido é o povo por meio das eleições em um ambiente político democrático. Então, os governos eleitos implementam suas agendas políticas e abrem fóruns de discussão para se chegar a soluções mais consensuais para enfrentar as questões postas na Agenda 2030.

E, independentemente do caminho que foi escolhido pelos governos eleitos para cumprir as exigências da Constituição e da Agenda 2030, as entidades de controle (incluindo os Tribunais de Contas) têm uma missão indelegável: identificar o que está dando errado.  

3. E que os Tribunais de Contas têm a ver com isso?

O XXIII Congresso Internacional das Entidades Fiscalizadoras Superiores (INCOSAI), que ocorreu em setembro de 2019, emitiu uma carta de diretrizes: a Declaração de Moscou. Este documento explicita o papel estratégico dessas instituições no controle do atingimento dos ODS em cada país (e em cada esfera da federação).

Das suas 10 diretrizes, quatro estão diretamente relacionadas com questões de fiscalização da Agenda 2030:

Diretriz 1. As entidades fiscalizadoras superiores (EFS) são encorajadas a contribuir para uma prestação de contas de resultados mais eficaz, transparente e informativa, tendo em mente a complexidade dos esforços governamentais necessários a apoiar o alcance das prioridades nacionais e dos ODS. 

Diretriz 2. As EFS são encorajadas a desenvolver uma abordagem estratégica do controle do setor público para apoiar o atingimento das prioridades nacionais e dos ODS. 

Diretriz 3. As EFS podem reforçar o valor do controle do setor público ao ampliar a previsão de recomendações baseadas em evidências a questões importantes e estratégicas do parlamento, do governo e da administração pública. 

Diretriz 9. As EFS podem reforçar o valor do controle do setor público ao ampliar a previsão de recomendações baseadas em auditoria a questões importantes e estratégicas do parlamento, do governo e da administração pública.

Todas esses pontos foram reforçados no âmbito dos Tribunais de Contas brasileiros na Carta de Foz do Iguaçu (2019) e na Carta do VIII Encontro Nacional dos Tribunais de Contas (2020), cujas diretrizes estão alinhadas aos princípios da Declaração de Moscou.

4. Por onde começar?

Não há uma “receita de bolo” para implementar ações de controle orientadas para fiscalizar o atingimento dos ODS. No âmbito do Instituto Rui Barbosa há ações para divulgar a importância da Agenda 2030 e capacitar os servidores dos Tribunais de Contas sobre o assunto, como a Oficina dos ODS, os Fóruns Nacionais de Auditoria e os cursos de auditoria do setor público realizados sob demanda. No entanto, falta ainda o “como fazer” – e isso vem da prática do controle externo e da criação de abordagens de fiscalização inovadoras para os problemas identificados.

A tarefa que cabe a cada Tribunal de Contas é analisar a realidade socioeconômica que condiciona a ação do setor público sob sua jurisdição, identificar os principais problemas e encontrar a melhor forma de abordá-los em suas ações de controle. Nesse ponto, as diretrizes das entidades nacionais e internacionais de fiscalização apontam alguns caminhos.

A seguir, traçam-se alguns possíveis caminhos a partir das diretrizes da Declaração de Moscou relacionadas à Agenda 2030:

Diretriz 1- Prestação de contas de resultado.

A fiscalização do Tribunal de Contas facilmente se perde no meio de uma montanha de informações financeiras (quase sempre não certificadas) e na verificação do cumprimento de obrigações legais burocráticas e esquece da razão de existir do setor público: garantir os direitos expressos na Constituição de 1988 por meio de políticas públicas.

O controle externo do setor público (e, consequentemente, a fiscalização de políticas públicas) é uma competência constitucional dos Tribunais de Contas. Para isso, eles dispõem de instrumentos como as auditorias de conformidade e operacionais e a avaliação de políticas públicas. Lembrando que para além da análise da conformidade dos atos de gestão, para agregar valor social ao trabalho é necessário avaliar também o desempenho da gestão: o que passa pela análise de indicadores de desempenho das políticas públicas.

Esses indicadores não necessariamente precisam ser inventados, nem construídos pelo Tribunal de Contas. Os próprios gestores públicos constroem seus indicadores de acordo com as suas necessidades e prioridades, que são expressas em instrumentos orçamentários como o Plano Plurianual. Cabe ao Tribunal de Contas analisar a adequação destes indicadores.

Diretriz 2- Apoio ao atingimento das prioridades nacionais e dos ODS.

E quais seriam os parâmetros que os Tribunais de Contas poderiam utilizar para analisar a adequação de um indicador de desempenho? Novamente, não é necessário “reinventar a roda”: as prioridades nacionais muitas vezes estão elencadas na Constituição de 1988 e nas leis que regulamentam as políticas públicas a nível nacional e regional (como, por exemplo, os Planos de Educação e de Saúde). Complementarmente, têm-se os parâmetros estabelecidos na Agenda 2030.

Estas podem ser as referências para analisar a adequação do planejamento e da execução das políticas públicas. E a Declaração de Moscou encoraja que assim seja.

Diretriz 3- Expedição de recomendações em questões estratégicas

Os indicadores de desempenho vão mostrar quais ODS estão sendo atingidos e quais não estão sendo alcançados. O que os Tribunais de Contas podem fazer?

Agenda 2030
Fonte: QUINO, J. L. Toda Mafalda. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 378, tira 5.

Gritar “que absurdo!” é um caminho fácil, mas insuficiente para alterar a realidade. De fato, o primeiro passo é identificar as áreas do setor público com mais dificuldades para cumprir as suas obrigações constitucionais e aquelas relacionadas aos ODS. Mas a ação do Tribunal de Contas não deveria parar aí.

Para além da identificação dos problemas, é preciso analisar as suas causas e expedir recomendações construtivas ao setor público, que auxiliem o gestor a corrigir os rumos de sua gestão e melhorar a prestação de serviços públicos. Esta é a finalidade das auditorias operacionais e das avaliações de políticas públicas, os instrumentos que os Tribunais de Contas dispõem para analisar o setor público tendo como parâmetro a Agenda 2030.

Diretriz 9- Abordagem do problema da inclusão (equidade).

Tendo como base o lema “ninguém será deixado para trás” da Agenda 2030 e o art. 3º da Constituição de 1988, tão importante quanto saber se as políticas públicas estão atingindo os seus resultados pretendidos, é avaliar se elas estão contribuindo para a diminuição da desigualdade regional e da desigualdade social.

Dada a sua jurisdição multinível (estado e seus municípios), os Tribunais de Contas estaduais talvez sejam os órgãos mais capazes para ter essa visão do setor público como um todo e, assim, identificar e atuar sobre as desigualdades regionais. Essa capacidade pode ser potencializada com a realização de trabalhos conjuntos com os Tribunais de Contas municipais e o da União.

Quanto à equidade, trata-se de um desdobramento do controle de resultados de políticas públicas, com foco no mapeamento do público atendido e na identificação de grupos discriminados e/ou com dificuldade de acesso.

Obviamente, este rol de possíveis caminhos não é exaustivo. É a fiscalização dos Tribunais de Contas que irá colocá-los em prática e certamente encontrará outros e melhores caminhos adaptados à sua realidade para abordar a Agenda 2030 nas suas ações de controle.

E neste processo de amadurecimento e modernização das atividades de controle, os Tribunais de Contas sempre poderão contar com o auxílio do Instituto Rui Barbosa.

O seu Tribunal de Contas tem alguma ação de capacitação ou de controle sobre o tema? Precisa do apoio do Instituto Rui Barbosa? Entre em contato conosco pelo e-mail auditoria@irbcontas.org.br

Anexo: Os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Objetivo 1. Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares.

Objetivo 2. Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável.

Objetivo 3. Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades.

Objetivo 4. Assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos.

Objetivo 5. Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas.

Objetivo 6. Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos.

Objetivo 7. Assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos.

Objetivo 8. Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos.

Objetivo 9. Construir infraestruturas robustas, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação.

Objetivo 10. Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles.

Objetivo 11. Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resistentes e sustentáveis.

Objetivo 12. Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis.

Objetivo 13. Tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e seus impactos.

Objetivo 14. Conservar e usar sustentavelmente dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável.

Objetivo 15. Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade.

Objetivo 16. Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis.

Objetivo 17. Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável.